domingo, dezembro 17, 2006

Repare nela. Viu? Não é feia. Até tem seu charme. Caso lhe interessasse, você repararia como é legal quando, desajeitada, não sabe cruzar as pernas e as deixa bem à mostra. Se, no entanto, ela não tivesse lhe agradado, deixaria sua risada escandalosa ser incômoda aos seus ouvidos. Engraçado o modo como ela contrai os olhos a fim de enxergar, não é? Coitada, é míope. Mas você nem reparou que a descendência dela fica nos olhos. Tudo bem, alguém que a ama reparou, e isso foi suficiente. Ela não liga se alguém despreza suas unhas vermelhas. Já percebeu como tem os pés grandes? Enormes, diria ela. Tem as mãos assim, meio de bruxas daquelas compridas e brancas e sempre com as unhas enormes pintadas, com dedos enfeitados por gigantescos anéis. De bruxa, todavia, nada tem. É, vez ou outra, até altruísta. Beija e abraça muito a quem guarda carinho. Acho que é pra ver se eles nunca desgrudarão do colo dela. Adora colos essa menina. Deita e se espalha em cima de quem quiser mexer no seu cabelo. Um cabelo que tem sempre o mesmo cheiro. Preste atenção que a boca sempre está vermelha. Ela gosta de batom. Ela gosta quando o seu perfume cobre o perfume dela. Porque é quando ela se esquece dela e lembra de você. Você morre de medo de gostar dela. Ou porque ela é muito diferente de você, ou porque ela é exatamente tudo que você mais repudia em si. Não tenha medo de se aproximar, ela não morde, só às vezes. Ela não machuca, só às vezes. Ela mente, isso sim. Mas mente por trás dos óculos e é por trás destes que ela também chora, que é pra não dizer ao mundo que ela morre de medo de tudo.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Sobre mesas e camas.


Virou pra amiga e disse, com um sorriso etílico nos lábios:

-Querida, homens são exatamente como bebidas alcoólicas.

A outra, que sóbria não era de grande perspicácia, comprimiu os olhos num gesto de quem não compreendia, e retrucou.

-Amiga, você ta bêbada.

Seguiu um acesso de risos.

-Bêbada eu to, mas vê só: você vicia em cerveja, quer largar a cerveja e se vicia em vodka, troca a vodka pelo whisky, o whisky pelo martini, que é substituído pela pinga e assim...vai indo indo.

-Tá, mas aonde é que o homem entra agora?

Risadas maliciosas fizeram valer o teor do comentário.

-Entra que com eles é exatamente assim. Eu me apaixono pelo A, e o esqueço com o B, troco-o pelo C, que me faz sofrer, mas que é curado pelo D, e quando a gente vê o alfabeto terminou e você já ta até repetindo as letras. Um vício cura o outro, mas no fundo, é tudo a mesma coisa. Homem, ou, no caso CH3CH2OH. O que muda, mesmo, é o cheiro e o acompanhamento, a essência e a ressaca são sempre as mesmas.

-Amiga você é um gênio.

-Não, querida, eu sou é mulher.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Olhou bem em seus olhos e disse, com a voz cortada pelo soluço:
' Por que nunca fizeste nada?'
Ele não soube responder. Medo de dizer covardia e confessar, a si próprio, que não era um terço do que achava que era.
Ela também não queria respostas, sabia que a pergunta, na verdade, era pra si mesma, e ao olhar nos olhos dele, procurava o reflexo da própria alma.
Diz alma dela, por que foi que ela não fez nada?

'Calma alma minha, calminha, não era hora de partir'
Zeca Baleiro

domingo, dezembro 03, 2006


Eu te beijo. E se nesse beijo eu deixar todas as minhas expectativas? Deixo.

Se, acaso, nesse beijo eu perder todo o meu desejo? Valerá ainda o beijo? Esqueço.

O beijo pelo beijo, beijo, pela mão. Beijei, então. Diz-me, agora, por que não beijaria?

Beijo por hora. Beijaria por dias. Beijo por ser tu e por ti me perderia.

Beijo pelo mais-que-perfeito. Beijara... Beijo pelo imperfeito, beijava... beijo o imperfeito. Beijo o sem jeito. Beijo por não saber beijar. Por não saber beijar, não beijo. Beijo a barba. A barba me afaga. O afago que propicia beijo. O beijo que afoga. O beijo que ilude. Iludi por ser teu. Mas o beijo não é teu. Roubei da tua boca, tomei pra mim. Pronto. Teu beijo é meu. Meu beijo continua sendo meu, e o pedido, o mesmo...

Beija eu?

sexta-feira, novembro 17, 2006

Rosas cinzas. Grafites de sangue.


...e o menino sem coração começou a ler poesia, e a poetinha, começou a pensar em dinheiro. Logo, muito logo, eles fingem que são um só e partem pro mundinho comprado por ele e enfeitado por ela...

Porque ele queria dinheiro e roupas, e ela flores. Mas não dessas flores sem perfume de lojas sem graça. Ela queria a flor da casa do vizinho. Aquela que vem com o espinho roubado, e a pétala machucada de muro pulado. Ele queria alguém que mudasse o seu caminho. Torto caminho ávido por mudanças, ainda que estas entortassem mais aquela vida. Ele, de certo, era resistente ao sorriso dela, mesmo que ela sorrisse o tempo todo. Enquanto ele ia atrás das cifras, ela escrevia um romance. Ele não valia nada, ela perdia valores. Ele gostava de chocolate. Ela também. E no sonho em que se conheceram não precisaram disso pra perceber que no fundo, naquele fundinho cheio de açúcar do copo de leite, eles tinham algo em comum. Ainda que ele falasse em inglês quando bebia e ela recitasse poesia pra embebedá-lo. Ele não tinha tempo pra rascunhos. Não sabia voltar no tempo, pra ir além. Só sabia olhar pra frente. Pobre dela, que andava de costas, com o coração no passado e a cabeça no futuro. Ambos, entretanto, necessitados do presente. Ela o convidou pra escrever uma história. Não a deles, mas a de todos. Ele a convidou pra não fazer nada. Viveram de indiretas, enquanto as indiretas sobreviviam deles. Ele queria confiança. Utopicamente, esperava o dia que seus valores cairiam por terra, pisados pela pessoa que os trouxesse. Ela confiava, cegamente, desde o primeiro oi. Não porque ele fosse confiável, mas porque ela era ingênua quando queria acreditar no mundo, num mundo que ela fingia que existia. Foi, contudo, acumulando mágoas, assim como se acumulam louças numa república mista, foi se perdendo até não acreditar que desacreditava. Ela esperava um metaleiro, barbudo, dizendo que iam sair daquela vidinha interiorana. Ele tinha rosto de menino. Ele esperava uma boa companhia pra um bom vinho, numa boa noite. A noite foi boa, o vinho barato e a companhia, ainda assim, permanecia. Porque talvez aquele sorriso fácil e aquele jeito contraditório fossem os únicos meios de se entender, por meio de um espelho às avessas. Já que eles não tinham nada em comum, a não ser a vontade de serem idênticos.

[Eu sei que parece um pouco a história do Marcelo e da Vitória, mas a gente nunca sabe quando o que a gente inventa, acontece. Grata ao meu amigo, que trouxe idéias e, mais que tudo, inspiração pra esse texto e fôlego pra minha vida]

Batatais, 17 de novembro de 2006.

Ilmo. Desespero.

Tenho convivido muito com o Senhor. Há dias penso em lhe escrever, mas não tive coragem suficiente. E no nosso encontro diário, andei substituindo palavras por lágrimas. Pedir, para mim, é sempre difícil. Sou orgulhosa demais pra dizer aos outros que preciso de ajuda. Entretanto, Senhor Desespero, já não sei conviver sem dizer-lhe o que sinto.

Eu não o amo. Nunca amei. Eu não o quero. Nunca quis. Então diz por que, diariamente, vem você me ver e me tomar pra si? Então explica, porque já não entendo a razão pela qual me faz sua, sem que eu permita. Eu não suporto mais a sua presença. Eu não suporto seu hálito azedo. Não vou mais cair nos seus braços.

O Senhor roubou meu sono, minhas unhas pintadas, minha aparência saudável. Tirou de mim os amigos e os amores. Fez-me totalmente sua. Egoisticamente sua. Sei que agora vive com a minha alegria, e eu sobrevivo com a ausência dela. Devolva-me um pouco do tudo que eu tinha, e eu ficarei grata. Imensamente grata. Não fuja com meus olhos, deixando as olheiras expostas. Não suma com o meu sorriso, deixando a boca murcha sussurrando alguma música, que sobrevive da memória que o Senhor ainda não apagou. Fica, Senhor meu, se for pra ficar em silêncio. Do contrário, vire as costas e parta. Que por essa despedida tenho esperado todos os meus dias.

Não vou o acusar de mais nada, caso o Senhor contente-se em ir embora. Apresento-lhe a porta de saída, desejo-lhe, inclusive, uma boa jornada. Apenas peço, busque outro canto pra repousar. Porque as minhas costas não suportam mais o seu peso.

Atenciosamente,

Marcella.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Ainda, ainda que não acredite

Eles não tinham absolutamente nada a ver. Vitória tinha os cabelos curtos, estudava literatura e ouvia bossa nova. Marcelo tinha o cabelo longo, professor particular de matemática e apaixonado por metal. Um dia se viram, sem se conhecer. Nunca se conheceriam, eram opostos demais pra isso. Foram se descobrindo. Marcelo queria uma mulher prendada, ficou com uma moderna. Vitória queria um príncipe e Marcelo só criava sapos. Levaram a vida sem levar nada dela. Se acostumaram com os vícios, ainda que Marcelo não suportasse o gosto de cerveja de Vitória, e mesmo que vitória odiasse a cara desbarbada de Marcelo. Conviveram, viveram, voaram. Vitória sem se acostumar com a racionalidade de Marcelo, mas deixando que esta melhorasse sua rotina maluca. Marcelo permitindo que a maluquisse de Vitória desestruturasse a sua equilibrada e insossa vida. Não adiantava misturar muito. Vitória era fermentada, Marcelo destilado. Vitória era marchinha de carnaval, Marcelo era marcha fúnebre. Nunca seriam miscíveis. Alguns outros meses passaram. Vitória era vermelha, Marcelo era cinza. Vitória dançava, Marcelo dormia. Vitória era pôr-do-sol, Marcelo amanhecer. Ela pedia, ele esperava o subentendido. E eles só precisaram de uma cama e quatro olhos... Vitória deixou o cabelo crescer e Marcelo cortou o seu. Marcelo tirou "Minha Namorada" na guitarra, e Vitória cantou Led Zeppelin pra ele. Criaram um mundo. Vitória aprendeu a dormir abraçada e Marcelo a acreditar em poesia. Não tiveram um final feliz, porque não chegaram a fim nenhum. Não que simplesmente não tivessem objetivos, Marcelo até tinha, mas aprendeu a esquecê-los para se lembrar de Vitória.
Essa história é inventada. Mas quem que não inventa a própria história?

terça-feira, novembro 07, 2006

E não viveram felizes para sempre

"e ninguém dirá que é tarde demais, que é tão diferente assim.. Do nosso amor, a gente é que sabe, pequena!"
Último Romance-Los Hermanos.


Mandaram que ela escolhesse. Entre um e outro, não ficou com nenhum. Talvez porque já perdera tempo demais voltando sempre na mesma escolha. E quando se viu livre de qualquer pensamento capaz de confundir a cabecinha. Parou. Atônita. Eis que vinha, de um não sei onde para não se sabe por que, mudar sua vida; e mudou. Como nunca ninguém havia mudado. E bem se sabe que mudanças não são sempre bem vindas. Há, entretanto, quem acredite que só mudando o ser humano evolui. Pois não deixou de ser evolução. E foi tomada pela certeza de que, finalmente, se apaixonara. Falou de casamento. Desprezou idades. Buscou um sonho. E como toda boa realidade levou um tapa ardido do destino na cara... e chorou, chorou, chorou. Procurando lágrimas no mais fundo do seu corpo. Tirando da própria alma toda a dor que sentia. Pensou que cairia. Não caiu. Provavelmente, se ela fosse você, desistiria. Mas não desistiu. Tinha em si, e nos amigos, muito mais energia do que supusera. E se recompôs, sem, entretanto, livrar-se daquele sentimento que já tinha feito de teto o seu coração. E que belo coração ela tinha. Grande o suficiente para parecer um palácio à qualquer paixão, madura ou não. Descobriu, então, que precisava se apaixonar. Perdeu-se em sentimentos, sem saber exatamente se o amava, ou se amava o amor que tinha por ele. Amava os dois. Ele, por ter dado a ela a oportunidade de conhecer aquele tal amor, dos romances baratos de bar-de-esquina, que sendo baratos e chulos são verdadeiros. Verdadeiros, principalmente, porque ela era a prova viva de que amor não escolhia cor nem idade. Que dirá a raridade das palavras ou a própria literatura. Nem vontade, nem tempo e, menos ainda, circunstâncias. É bem capaz que se tivesse tudo pra dar certo, sequer aconteceria. E agora, que nada se encaixava, perdia os dias pensando numa realidade distante. O ser humano talvez fosse exatamente aquilo. Viver da saudade do sonho que não aconteceu, rememorando lembranças de coisas pequenas, que cismamos em aumentar infinitamente, pelo mero prazer de dizer: eu vivi uma história de amor.
E quem vai dizer que não foi?


[Helen, esse texto é todo seu]

segunda-feira, novembro 06, 2006

Mefistófeles adolescente

Vamos todos falar de vestibular. Vamos todos culpar o vestibular. Está cansada? É culpa do vestibular. Não come bem? Anda comendo demais? Maldito vestibular. Perdeu o namorado, chifrou a namorada? Ai, cada coisa que faz esse vestibular. Não tem mais vida social, não vê os bons amigos, não sai pra beber cerveja? Se não fosse o vestibular, seria diferente...Desaprendeu a gostar? Anda individualista? Olha pra árvores é vê Gimnospermas? Olha para o copo de cerveja é vê etanol? Pois bem, é culpa do maldito. Esqueceu de fazer as unhas? As pernas não estão depiladas? A cara cheia de espinhas? V e s t i b u l a r. Ah, já sei. Adquiriu Gastrite Nervosa, tem ataques epiléticos, perdeu as unhas de tanto roê-las? Vestibular, vestibular. Anda com cor de geladeira? olheiras enormes? É cômodo culpar uma prova... Não que eu não ache extremamente desumanas as situações a que somos submetidos, mas, chega. Isso quase um texto pra auto-persuasão, eu preciso entender que a culpa não é do vestibular. Se as unhas estão mal feitas e as pernas não depiladas, foi descuido. Se a gastrite dói, você que ansiosa demais. Engordou? É gula da sua parte, e mais ninguém. As espinhas são da idade, e bem, o que é um nome? Certamente as árvores andam cansadas de serem chamadas de árvores, Gimnospermas é um bom apelido pra variar. Se você tá cor de geladeira, é porque não foi na piscina, simplesmente. E olheiras, pobre idiota, são da sua descendência árabe, e ficam um charme no Benício Del Toro, porque não em você também? O álcool? Anda vendo etanol? Melhor, assim você não se esquece que ele inibe o ADH e que prejudica seu organismo. Desaprendeu a gostar das pessoas? Isso é só egoísmo da sua parte. Individualismo? Mera defesa de um coração machucado. Grosseria, mau humor, canseira? É saudade de um bom beijo.
No fim, você ainda recebe um bilhete dizendo que ele acredita em você, e o vestibular, [quem é esse?] volta pra sua real posição: uma prova.

domingo, novembro 05, 2006

Bilhete pro amigo

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...

Mário Quintana

Eu vou lhe escrever esse bilhete. Assim, com essa letrinha bonita, de quem tá de ressaca. Nele vai ter a solução dos seus medos, a confissão das suas vontades. Quando você acabar de ler, não vai ficar com saudade, nem vai pedir outro, só esse será suficiente. No meu bilhetinho, eu não vou terminar com um 'eu te amo', nem vou começar com 'caro amigo', mas você vai se sentir amado, mesmo assim. Eu não vou lembrar que você é importante pra mim, porque isso você já deve saber, nem vou prometer que as coisas vão dar certo. Elas sempre dão, faltamente. Principalmente com você. Lembra, amigo meu, daquele dia? Lógico que não. Não tivemos um dia. Mas lembra daquele lá? Deste você se lembrará, porque ele ainda está por vir. Amigo, eu sei que a vida não tem tomado o rumo certo. Mas eu tomo cerveja, você toma vinho, e a vida toma jeito. Não se preocupa. Hoje, eu não sou bonita quanto meus olhos já viram, meu sorriso anda meio amarelado, manchado com as coisas ruins da vida. Desacostumado a sorrir. Mas o seu não. O seu, ainda que discreto, permanece aí. Porque eu não vou deixar tamanho sorriso fugir. Eu ainda sou míope, meu querido, e continuo forçando os olhos pra vê-lo. Porém, não há de se preocupar, porque você me vê bem, e não se esforça pra me entender. E não é que entende. Talvez porque somos amigos. Se sente bem agora, amigo amado? Não. Entretanto, a promessa foi cumprida. Porque se não melhorou a sua alma, a minha, ao menos, salvou.

Um beijo no queixo, amigo. E juízo na cabeça.

sempre sua,
amiga,

sexta-feira, novembro 03, 2006

- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
- Você é louco?
- Não, sou poeta.

Mário Quintana.


Estranho quando a gente percebe que as nuvens mexem no céu, e que na verdade a Pópis e a dona Florinda são a mesma atriz.
Também não é legal saber que a Xuxa fez filme erótico, que a Mara maravilha virou crente e que a vovó Mafalda e a velha surda não passavam de homens sem barba.
Legal é descobrir que quando é noite aqui, é dia lá na china, mas triste é quando lhe contam que nunca daria pra chegar lá cavando um buraco.
Horrível é perceber que seus pais têm vida sexual, e sua mãe, ao contrário do que você sempre achou, não é mais virgem. E que você, pobre tolo, não nasceu de um repolho.
Ver a santa da sua professora de primário fumando, pode ser pior do que quando te contaram que já existiu uma guerra mundial.
Bons tempos em que se acordava as 7 da manhã, passava o dia inteiro na piscina, dormia só as 11 e no outro dia, novamente as 7 estava-se de pé e com disposição total.
Divertido trocar todo dia de paixão.
Não é fácil entender aos 12 anos de idade que aquele sangue no meio das suas pernas não é perigoso, e pior ainda é pensar que aquilo vai acontecer todo mês.
Pêlos na perna não são bem-vindos, e pessoas cobrando que você os tire, muito menos.
Surpreendente reparar que o Beakman era dublado, e que as cartas que ele recebia, não existiam de verdade. Engraçado é lembrar que você aprendeu que beijos têm língua no “confissões de adolescentes” e que morria de medo que a língua presa atrapalhasse.
Nunca se entende porque todo mundo ria quando você dizia que a sua barbie tinha 17 anos, era modelo e com uma foto ganhava o sustento do mês inteiro, e claro, tava no terceiro ano de faculdade de medicina.
Dá um pouco de medo de crescer. De ir no bar e não ser a mais nova de lá, de pensar que ano que vem você já vai ter 18 anos e vai poder dirigir do jeito que, aparentemente, só seu pai podia.
E a coleção de boneca?e as pantufas? E o colo da mamãe? E o fato de deixarem eu chorar porque eu era criança?
Dá medo. Mas dá muito tesão de encarar a vida.

[e aqui fica um beijo pra Gabie]

quinta-feira, novembro 02, 2006

Foi, como dizer, assim. Comeram, beberam, quiseram dormir. Quis, especificamente. Mas ele não deixava. Ela, no fundo, não queria que ele deixasse. E aproveitaria cada beijo nas costas, sem se mexer, se não fosse a vontade absurda de brigar com o rapaz. Brigar, meramente, pra poder reconciliar, e ir, assim brigando, assim voltando, até enjoarem de brigar e mergulharem numa pacífica monotonia. O gosto da pizza ainda tava na boca, misturado com o cheiro do vinho barato, que deixava a boca vermelha. Vermelha de uva ou de tanto mordida, já não sabiam. E nem se preocupavam em saber. Virou-se pro lado, fez-se rogada e disse que dormiria, que a deixasse em paz, agora. Ela, sabendo que isso não aconteceria, ele, sabendo que ela não queria que isso acontecesse. Enrolou sua mão na cintura dela, puxou-a pra mais perto. E foi, assim com a mão, e assim com a boca, convencendo que eles tinham a vida toda pra dormir, e nem mais um minuto pra não ficarem o mais próximo possível. ‘não presta’, pensou.‘Presto eu, menos ainda’, e então desistiu de dormir, mas não abriu os olhos, com medo de que aquilo fosse outro sonho.

segunda-feira, outubro 30, 2006

E vai tentando fazer rima...e não sai. E vai tentando dizer o que sente, e não diz. E escuta e repete e cantarola a mesma música. E enjoa. Vai dançando, remexendo, sacudindo, e não libera essa vontade de dar um grito. E GRITA! E não tira essa náusea. E VOMITA palavras e não consegue não ter asco do mundo. E chora, pra ver se essa água salgadinha limpa a alma. E não limpa, só embaça. E amassa, e se enlaça no primeiro corpo que passar, que é pra ver se nesse enlace, tem o passe pra tomar. E engoli, o máximo de saliva que puder, mas não sacia essa sede toda. Que angústia, gira e se vira e atira uma flor no mar. E não chega a Iemanjá, porque ela não atende. Nem sente o murro no céu, pedindo um lugarzinho ao sol. Que problema, não se lembra de como fazer pra esquecer. Esqueceu de como lembrar do desejo que não passa, nem com água nem com cachaça. E se despe, se abraça, fica descalça. Sente o chão. Não, ainda dói o nó na garganta. O grito preso. A boca imunda, espalha nomes feios. Anseios. Como livrar? Nem televisão, nem telefone, nada passa, nada some. E que nome que volta na sua cabeça. Tão princesa, se enfeita e se perfuma, sem saber pra quem se arruma. E dança, sem saber como terminar, e cansa, sem ter onde sentar. Aí entendo que o que mente é a boca bonita. E se atiça pra dizer umas verdades. Maldades, logo assim tão tarde, telefona, e num sopro quase que surdo, como um sussuro, diz, pro mudo ao lado. Calado, eu amo você.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Estávamos sozinhos em casa. Eu e ele. Queria chegar mais perto, mas eu sabia que não devia. Mais, sabia que não podia. Papai me mataria e certamente, depois de tudo que ouvi de minha mãe, eu não deveria me arriscar. Podia acabar em barriga. Mas o corpo falava mais alto. Minhas mãos buscavam aquela forma deliciosa. Eu queria muito sentir o seu gosto novamente, eu precisava tê-lo outra vez, se derretendo, pra mim.
Meus poros pediam que eu pegasse e, sem medo de ser feliz, me entupisse daquela satisfação culposa de fazer o que não devia. Eu jovem, precisava me cuidar. Mas como? Era tão tentador. Naquela noite eu tinha que ter o direito de saciar qualquer desejo. Resolvi só chupar um pouco, só pra sentir o gosto. Não mordi, não fui tão ávida assim, tirei da boca quase que implorando pra deixar. Sentindo escorrer na minha saliva a vontade de permanecer com ele ali pra sempre. Satisfação. Se eu pudesse provar mais um pouco, um pouco mais afundo. Mas, deuses, é horrível querer chocolate quando se tem gastrite.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Resolvi te querer,

Pretendo me enroscar,

Nas tuas pernas perdidas

No teu modo de falar.

Quando pensas em fugir,

Puxo-te os cabelos

E tu de tanto que me ofendes,

Acaba se acabando em mim.

Encosta teu peito aos meus.

Sempre quiseste assim.

Respira na minha velocidade.

Arrepende-se e choras gritando.

Mal dizendo a vaidade.

Por fim, saciada,

Jogo-te pela ladeira.

E escutando teu grito, chamando,

Danço só, a noite inteira.

Sem medo, sem saudade.

Desnudada por completo.

Cansada de te fazer gozar.

Plena na minha vontade.

Sabendo por certo

Que estás a me chamar.

Grita, então, rapaz.

Grita muito o meu nome.

Porque o nome que chamas

É o mesmo que some.

sábado, outubro 21, 2006


Eu gosto do teu sorriso. Gosto do gosto do teu sorriso. Gosto, mais ainda, do teu sorriso no meu sorriso. Perto, quase fazendo um sorriso só. Gosto de fazer-te sorrir, e quando desmancho teu sorriso em beijo. Gosto quando negas que é o mais bonito, e quando dizes que o meu ganha. Mas como? Se o meu só existe com o teu? Se o meu, nasceu pra acompanhar o teu?
Eu espero nosso poema concreto. Eu desperto teu desejo secreto. E que passem dias, e meses e o ano. E que me importa que tenham outros? E outras? E que tenham outras línguas que não as nossas? E que fale francês, inglês, árabe? Importa mais é que o sorriso permanecerá, indiferente dos quilômetros, independente do resto do mundo. Talvez aí, onde te escondes, o pôr-do-sol seja diferente deste que vejo, diferente como pra mim teu sorriso é diferente de todos os outros. É diferente porque é teu, sendo meu. Assim como sou tua, ainda que eu não seja de ninguém. Trazes poesia pra menina que precisa de poesia, pra menina que respira poesia, pra menina que chora poesia. Trazes, ainda, esperança. Indissolúvel esperança. Com gosto de saudade. Saudade do muito que ainda temos pra viver. Saudade de todos os sorrisos teus que eu guardo meus olhos pra ver.


quinta-feira, outubro 19, 2006

Quem és tu, moleca?
'Meu nome é Maria’
Que fazes por cá?
‘Vim fazer poesia’
Escute, menina, volta pra boneca.
‘E como fica meu escrito?’
Fica por aí perdido.
‘Fica com ele então, o meu sorriso e a minha alegria’
Mas logo poesia, Maria?
Nessa terra brasileira?
Poesia aqui ninguém lê
Fazem dela brincadeira.
Vai, Maria, esquece teus versos.
Poesia te adia
Impede de crescer.

[Esquecer, como podia?
Se Maria era escrava
Domada da palavra.
Esquecer, não esqueceu;
Mas Maria cedeu.
Precisava viver.
Escrevia, em prosa.
E se punha a chorar.]

‘Minha cervical é poética
tenho respiração métrica,
Meu nome faz rima,
Poesia, minha sina.
Sou vadia, vendo minha vida
E meu corpo.
Pela arte
dou-me toda, não em parte.
Dou, ainda, minha calma
Negocio minha alma,
e o que mais parecer útil’

Lembra-te, Maria.
Teus versos são rosas
Bonitas, cheirosas.
Agradam nosso olhar.
Mas rosas, Maria
Não alimentam

Rosas não sustentam
E tu, Maria.
Terás que parar.
Ainda que dolorida
Mesmo que não queiras.
Pára, Maria!
Cessa teu cantar,
Tapa os ouvidos
E te põe a caminhar.