sábado, janeiro 29, 2011

Fios



Vivo perdida nos meus fios. Eles se enroscam sem pudor nenhum: carregador de celular, de lap top, usb da câmera, usb do mp3, o fio da máquina de depilação, o meu fio condutor. Eu deixo, assumo: nunca me preocupo em separá-los a não ser que seja estritamente necessário (transportá-los, por exemplo. Até nesses casos levo-os junto, como fossem um só). Dei-me bem a vida inteira com meus fios assim, bagunçados e achando que não precisariam necessariamente estar retos para que estivessem bem. Voltas, espirais, contornos sempre fizeram parte dos meus fios e nenhum deles nunca se queixou. Quase todos são pretos, mas nem por isso deixavam de se enroscar com os brancos, beges e cinzas que vez ou outra apareciam: nunca renegaram um remendado. Assim convivi 21 anos com a bagunça dos meus fios, ignorando qualquer ser humano dito coerente que quisesse separá-los e guardá-los. Era o cúmulo do egoísmo, enrolar um fio em si próprio, isolando-o, e guardando, assim sozinho, na gaveta. Hoje, porque disseram que eu sou adulta e que cresci, resolvi separar meus fios: achei que podia ser mais organizada, tomar mais cuidado: ledo engano. Meus fios nunca se separam, gostam de ficar assim grudados, assim confusos. Feito um camaleão, já que a mistura deles era de onde vinha a força para enganar, fazendo-os fortes e grandes. União e não bagunça. Insisti, sou burra. Separei o primeiro, endireitei o segundo, e na tentativa de soltar o terceiro - mais fino e dependente, o do fone de ouvido - rasguei, rompi, cortei o fio. Não me perdoei. Eu precisei de 21 anos para aprender que fios não se separam jamais e que é na sua própria bagunça que eles se entendem, igualzinho a nós todos, perdidos e enroscados.Idêntico aos fios ao meu cabelo e tal qual a minha vida que na confusão se resolve, não adiantando eu tentar separar antes as coisas. Mea Culpa, perdi o fio do fone e o fio da meada: passei horas a fio me remoendo.