sexta-feira, junho 26, 2009

E se apaixonar por ele, de repente, parecia uma viagem de avião. Morria de medo de avião porque a ideia de tirar seus pés da terra, assustava. Gostava de saber por onde pisava, era mais fácil assim. Mas ele subia com a cabeça dela até a estratosfera. O medo só aumenta com a subida, os pés tremem, dá um frio na barriga, os ouvidos doem e você se desespera: vai acabar tudo aqui. Mas não. Afinal, você olha pro lado e vê as nuvens, passa por elas e sorri pro sol. e continua subindo até ter a impressão que pode pisar naquelas nuvens...Era assim com ele, era como se pisasse em nuvens e os problemas do mundo ficassem em outro plano, bem abaixo.
Mas avião tem turbulência e você fica se perguntando porque se enfio nele, e o medo volta: vai acabar tudo aqui.
Se acabar, pensa, pelo menos acaba de uma voz e eu não sinto tanta dor. Mas esse pensamento otimista não te engana, só assusta.
E você sabe que tem a hora da chegada. As nuvens vão embora e fica um medo, um medo maior que a pressão que incomoda os ouvidos e ansiedade da volta. Voce fecha os olhos, se agarra a quem der e reza pra aguentar. E se apaixonar por ele, de repente, esperava uma viagem de avião...


Em Madrid.

segunda-feira, junho 22, 2009

era uma vitrine. Ele não podia encostar, só ver. Ela mexia de um lado pro outro, chegava tão perto que ele quase acreditava que podia encostar, ele ia com a mão, ia segurar entro os dedos aquele cabelo que não parava de voar. Vidro. tinha sempre aquele vidro.
Dentro da vitrine ela até parecia bonita, tinha alguma coisa de ansiedade que molhava os olhos dela. Quando ela chora ele quer dar um abraço. e sorria, ela não para de sorrir Queria tanto ela aqui. Vidro.
era uma vitrine. Ela não conseguia entender, achava que ele tinha a chave daquela caixa de vidro e não queria abrir. Abre pra ela. Ela ficava com vontade de chorar, queria tanto encostar nele. Vidro. tinha sempre aquele vidro. Ele era tão bonito, mas quase não sorria. Tinha um sorriso de lado que só aparecia as vezes. Ela chora quando ele sorri, mas é de alegria e ele não entende. Queria tanto que aquelas mãos encostassem no cabelo, na nuca, nas costas dela. Isso deixava-a ansiosa a ponto de querer quebrar aquela vitrine. Vidro.

Ela ta se mexendo, tá chorando, tá procurando uma coisa. Ele ta inquieto, que será que ela procura? Ela olha como se pedisse desculpa. Será que ela vai o deixar? Pra onde ela vai? Ele achava que ela era a manequim dele, aquela vitrine era dele. Ela pede desculpa e cobre um vidro com um pano vermelho.
Ele não entende, ele não quer deixar de olhar, por que ela se escondeu?
Será que ela foi embora? Tanto tempo ele olhou pra ela e agora não podia mais, maldita cortina vermelha. Antes o vidro....

e o tempo passando, e a mesma vista vermelha pra ele.
Ele tanto olha pro vidro que esqueceu de ver o tempo passar.

Mas o tempo, ainda bem, sempre passa. Ela entrava, toda cheia de sangue, com vidros quebrados pelo corpo, na caixa de vidro dele. Ela pediu, já se encostando no ombro dele, "Posso ficar aqui pra sempre?" Ele não conseguia nem se mexer, tinha medo de encostar nela, primeiro pra não machucar mais aquele corpo cheio de vidro, segundo porque ele ainda não acreditava.

"você se machucou muito"

"logo passa". o vidro era grosso demais, mas também quebrava. no fim, era só uma vitrine.

sábado, junho 20, 2009

Querido, onde fica a cebola na sua casa? Olha só, aqui tá dizendo que colocar a pm pra bater é democrático, diz aí, é pra rir né? É sim, um absurdo. Mas olha, onde fica a cebola, não posso cozinhar sem cebola! Agora no oriente médio, tudo fere a liberdade e a porra dos direitos humanos. Pois é, nem me fale em oriente médio. Cadê a cebola? Não que eu ache que não seja ferir os direitos humanos, mas que quando a situação é aqui do lado, ninguém dá bola. Eu sei, lindo, ainda mais com estudantes…Você tem certeza que comprou cebola? Comprei sim, esse jornal tá cheirando cebola, inclusive. Tá, mas onde você colocou? CARALHO…Essa imprensa tá toda comprada mesmo. Não salva nada! Olha só, essa foto, parece até que a manifestação não era pacífica. Amor, eu concordo com tudo, eu também acho que a gente tem que ficar puto, mas podemos ficar putos alimentados? E pra fazer a comida eu preciso de cebola!!!!!!!!
Meu, é sério. Tem que mudar, a gente tem que movimentar a galera, não dá mais, não pode continuar assim. Vou procurar lá dentro as coisas da manifestação, vou levar pra reunião, vou mostrar o que ta acontecendo. Amor, me escuta só um minuto. EU PRECISO DA CEBOLA. Que cebola, cê ta louca? O mundo tá de perna para o ar e você falando em cebola? Olha só, a gente não pode ficar parado pensando na comida de daqui a pouco, a gente precisa tomar alguma atitude. Você não pode ser tão egoísta. Ok, desculpa. Ai, linda, por que cê tá chorando, vem cá, me dá um beijo…eu exagerei, desculpa. Não, amor, eu achei é cebola, foi isso.

quinta-feira, junho 18, 2009

se soubesses como eu gosto, do seu jeito, seu cheiro de flor...

A menina com nome de flor tinha passado a vida toda tentando ser flor. Se cobria de vermelho, se perfumava e não conseguia ser flor. De flor tinha o nome e três espinhos, cada um nascido de uma história diferente. A menina com nome de flor se cobria com sonhos para fingir que eles eram pétalas, e se fechava em dia de frio. Se fechava também para amores muito fortes, porque ela assim, só com três espinhos, não sabia por onde se proteger. Tinha medo do vento e do moço que não gostava de flores. Ficava esperando a chuva que ia molhar seu rosto. Mas era de lágrimas que ela regava aquela saudade. A menina com nome de flor nunca ganhou uma flor de presente. Então ela pintou flores no corpo, nas costas, na perna, para ver se assim, toda cheia de flores e com nome de flor, alguém levaria uma flor para ela. Mas ninguém levou.
O menino que nao gostava de flores aparece todo dia e a menina com nome de flor abre um sorriso, feito fosse primavera. Para ele, o nome dela não tem nada de flor. Para ele, a menina com nome de flor não é uma flor e o inverno é a melhor época do ano. Mas no inverno, as flores se escondem. E então, a menina com nome de flor foi deixando de ser flor, para aguentar o inverno que aquele menino que não gostava de flores trazia para os dias dela. A menina com nome de flor agora é só mais uma menina; sem sonhos em forma de pétala, sem cheiro de jardim. Dos tempos de primavera, a menina só guardou os espinhos a eterna vontade de ganhar de presente uma rosa.

sábado, junho 13, 2009

Eis o melhor e o pior de mim…seu nome, seu endereço, seu rosto. O melhor e o pior que eu tenho para apresentar para o mundo é você. Suas mãos, grandes, e o jeito que elas dançam no ar me convencendo que esse é o caminho certo para seguir. Mas tem os seus olhos, pequenos, que não me deixam entrar na sua realidade. Abre só um pouco mais o olho, vem, cara, me repara, eu passei todos os dias da minha vida contando o dia que você fosse chegar, tão diferente de como você chegou, e agora eu passo todos o resto dos meus dias contando o dia que eu vou chegar, tão diferente eu sou do que você sempre imaginou. Agora eu fico presa, dentro de mim mesma, querendo me encontrar. Prometo que se eu me encontrar, te acho. Te acho afogado nos meus sonhos, tanta coisa eu crio para você, tanta história você é personagem, quando é que você vai cansar de seguir as minhas linhas? Eu não sou difícil de ler. Eu tenho tanta vontade, e eu também tenho tanto medo, todo o sentido que eu encontro em você eu perco nas esquinas, nas ruas e na contramão do teu sorriso. Eu não sei continuar sozinha, mas eu também não sei como te convencer que é melhor continuar comigo, sou pequenina e também gigante, tenho a voz presa, essa voz que não é bonita, mas fala e fala, e repete e te pede. Eu to engasgada, vem, cara, se declara ou vai embora. Mas não vá pelo mesmo caminho que você chegou, porque esse eu percorro todos os dias, tentando ver onde foi que eu me esqueci de mim e passei a lembrar só de você. Se você for, me traz de volta. Só não se perca ao entrar no meu infinito particular, você pode levar o susto de te ver já passeando por ali.

quarta-feira, junho 10, 2009

Quem é esse homem que num dia me enche a vida de uma felicidade que eu antes não tinha visto para depois me deixar em uma tristeza que não passa, nem com água, nem com cachaça, nem com a minha música predileta? Ele vem e me fala do brilho do meu olho, e do jeito que esse brilho nasce quando eu sorrio, para depois me lembrar o que as minhas olheiras já não me deixam esconder. Quem é esse homem que consegue por lágrimas nos meus olhos todos os dias, lágrimas de todos os tipos, como se todos os meus sentimentos confusos e cansados de serem os meus sentimentos fugissem de dentro de mim em forma de água, que nasce no olho e vai para o mundo, livre…
Quem é esse homem que tem forma de angústia e que me tira o sono todas as noites e ao mesmo tempo me dá sonhos para eu pintar nas poucas horas que o sono me encontra?
Quem é esse homem que me vê como se já me conhecesse, e adivinha as minhas vontades, e os meus sonhos, e tem o papel certo para eu começar a escrever uma história? Quem é ele que amassa e joga esse papel longe, toda vez que eu me aproximo com a minha caneta, com meu enredo e com os meus diálogos?
Quem é esse homem que me machuca, e me dói, e me arde tanto, mas que também é o único remédio para essa ferida que não fecha? Essa ferida que sangra e espera aberta pelo curativo que eu sei que só ele pode fazer…
Quem é esse homem que eu não conheço e que não me deixa conhecer, esse desconhecido que foge de mim, para no outro dia aparecer de novo, com o sorriso dele, que eu sei que vai me enganar com a ilusão de que eu já o conheço, e que eu já tinha escolhido para me matar e salvar, antes mesmo de o conhecer.
Quem é esse homem que eu não posso deixar ir embora, mas que também não quer ficar. Que não pode ser meu, porque já é do mundo. Quem é esse homem que hoje me faz perguntar, com a cara vermelha no espelho: Quem será que sou eu?

sábado, junho 06, 2009

Eles definitivamente não tinham nada ver. Ele lia Bernardo Soares enquanto ela gostava bem mais do Caeiro. Passavam horas discutindo qual era o melhor heterônimo, mas só chegavam a conclusão de que, no fim das contas, era o Fernando Pessoa que era mesmo muito bom. Fernandinho, ele dizia. Ela imitava essa intimidade, achava graça no jeito dele brincalhão. Ela nunca conseguiu ser engraçada, mas levava jeito para sorrir, não era difícil arrancar um sorriso da cara dela, ainda mais se era ele tentando. Mas, repito, eles definitivamente não tinham nada a ver. Ela queria passar o fim-de-semana na praia enquanto ele reclamava que não fazia frio. Ela pensava no Tejo, no rio que não corre na aldeia dela e queria uma água, queria sentir. Ele pensando numa sociedade amarga, em uma geração difícil. Ela tentou todos os jeitos de misturar os sentidos dele, confundir tudo, violar, ela queria ele em sinestesia, e ele explicando, claramente, as razões, os modos, os porquês, os motivos. Ela queria ser fraca, ficar no colo dele, pedir para ele cuidar, mas ele queria ela forte, não deixava ela se encostar levantava e dizia: “Anda”. Ela andava, rumo a qualquer coisa, só para parecer forte. Ele achava que não a conhecia, “você é um heterônimo, também, enquanto eu sou só uma voz diferente de um mesmo homem”. Mal sabia ele que ela, desconhecida, tinha muito pouco para dizer além do que sentia… Ela parece que vai entrar no mundo dele, sentir o cheiro que ele sente, olhar pelos olhos dele e ver como é tocar quando as mãos são as mãos que você procura. Ele tenta usar a lógica dela, e vai num labirinto de pensamentos onde ele vê um reflexo dele mesmo. “Ela quer pensar como eu”. Foge, filho da sociedade, foge você que teu desejo é fugir. Ilude, menina das sensações porque os teus sentidos são ilusão. Você não vai conseguir explicar o que sente. Ele não vai conseguir sentir o que explica. Separados são duas grandes vozes de um mesmo desejo. Juntos, uma obra completa.

quinta-feira, junho 04, 2009

Todo mundo tem medo de se apaixonar. Todo mundo. A minha vizinha de 92 anos tem medo de se apaixonar, eu tenho medo de me apaixonar, a minha amiga descolada tem medo de se apaixonar, o nerd do instituto ao lado tem medo de se apaixonar, o bombadão que caminha sendo puxado por um pitBull tem medo de se apaixonar, aquela menina de cachos que sorri de um jeito discreto também tem medo de se apaixonar.
Medo de se apaixonar é igual ver filme de terror. Todo mundo quer, mas o medo pisca ao lado. Alguns, para não passar medo, fingem que não gostam do filme. Outros, passam longe do cinema. Uns passam o filme inteiro de olhos tapados.
Mas para os que entram e assistem o filme inteiro, e gritam, e choram, e têm o coração acelerado é que eu escrevo isso: continuem vendo o filme, tenham medo, sim, mas vejam. Pensem no filme depois, e na próxima sessão, para dar menos medo, arranje alguém que segure na sua mão!

quarta-feira, junho 03, 2009

Ele gostava do escuro, de dormir sem luz nenhuma. Ela gostava de dormir com o abajur de peixes aceso. Ele se irritava de madrugada quando acordava para ir no banheiro e via aqueles peixes passando na parede branca que tava descascando. Ele bufava e apagava a luz, ela se remexia e levantava os braços procurando os dele:
‘Já volto, vou no banheiro’ e às vezes não voltava. Ela passava a noite toda roçando os braços naquele lençol para ver se encontrava um pedaço dele, enquanto ele dormia na leitura de um livro, justificando uma insônia sem sentido.
‘Volta aqui’, e ele voltava. Ela acendia o abajur, abria um sorriso e dizia: eu gosto de te ver, menino.
Ele também gostava de ver o jeito dela de dormir com um braço embaixo do travesseiro e o outro por cima do peito dele, com a mão passeando na barba, até cair…cansada. Gostava do jeito que ela entrelaçava as pernas dela nas dele, e de quando ela acordava assustada com o pesadelo: “sonhei que você não tava aqui”, chorando e sorrindo, deitava no peito dele e dizia: “Mas ainda bem que você está!”
Ainda assim, ele não gostava de dormir com luz acesa.
Um dia se irritou, disse que com luz não dava, ele tinha que descansar e aqueles peixes na parede causavam insônia. Ela sorriu, entendeu. Pegou seu abajur de peixes debaixo do braço e foi embora, chorando e sorrindo, como se fosse um pesadelo.
Ele ficou no escuro, procurando os braços dela. Acendeu a luz e não viu nada. Talvez fosse melhor o escuro agora que ele não tinha mais o que ver.

terça-feira, junho 02, 2009

Eu fico bravo com ela. A garota é míope e insiste em não colocar os óculos, porque fica me dizendo que fica feia. Quem liga para uma armação de óculos? Eu nem vejo! Enfim, ai eu digo para ela colocar as lentes e ela fica toda preguiçosa. Aí fica comprimindo os olhos, para enxergar e acaba que não vê porra nenhuma. Eu queria que ela visse, bem. E deve fazer mal, né? Se a pessoa tem defeito nos olhos, tem que pôr óculos, e não deixar guardado na gaveta. Sei lá, não falo mais nada que é para ela não se aborrecer.

-Amor, que é que tá escrito ali?
-Ah, você tá sem óculos, né? Já disse o que penso disso, né?
-Já.

-Amor?
-Sim?
-Fala o que você acha de mim? Me diz o que você vê que eu não vejo? eu tô sem óculos.

Eu vejo uma garotinha mimada e teimosa, que não se preocupa com mais ninguém além dela mesma. Eu vejo uma menina que não virou mulher, que não sabe o quer, que tem medo de ficar sozinha. Eu vejo uma menina que não sabe se apaixonar, que sufoca e que responsabiliza, uma menina cujo sentimentos pesam em quem ela sente. Eu sei que não é de propósito, mas o seu jeito de amar incomoda. Você prefere viver sonhando do que entender que a realidade é difícil. Eu vejo que não adianta pintar as unhas de vermelho, tatuar o corpo, maquiar os olhos se não for conseguir se despir disso depois. Você não sabe viver, menina, você só sabe sonhar, e isso não serve. É isso que eu vejo.

-Amor, me passa os meus óculos.




E foi embora. Enxergando era difícil demais de ficar.