sexta-feira, março 30, 2012

você.

Você acabou de sair por essa porta e é como se eu tivesse sido esmagada por um rolo compressor. Selecionei as músicas que me fazem lembrar de você e estou me torturando enquanto lhe escrevo aquilo que eu nunca vou te mandar, porque eu sou fraca. Eu fiquei fraca. Hoje, eu não combino mais com você, já percebeu?  Você agora é forte, intenso e completamente independente, tão diferente do rapaz tímido que eu conheci. E eu sou completamente apaixonada pelos dois. Fico me perguntando quando foi que a gente trocou de personalidade. Foi naquele dia que a gente chorou abraçado vendo a nossa vida em comum acabando? Ou no liquidificador enquanto eu batia um leite gelado que, naquela época, jamais me faria mal: só a você. Talvez naquela noite de frio, quando eu visitei os seus pais. A verdade é que é como se eu tivesse, por castigo divino, herdado as suas piores características, para não conseguir te esquecer nem quando eu olho no espelho. E eu juro que não estranharia se os meus cabelos começassem a cair, também. Para a dor que eu sinto hoje, você diria "tudo bem", e seguiria calmo a sua vida, como seu eu não tivesse passado por ela, mas o pouco de mim que ainda me resta grita, implora, mata para que eu reaja e te peça: vê se volta e devolve o há de mim que eu abandonei dentro de você.

domingo, março 25, 2012

Escroto

Sempre achei escroto uma palavra feia demais e evitava usá-la em qualquer situação. Desde a questão fonética à semântica, escroto não era uma palavra a ser dita com frequência, nem por qualquer motivo. Não tem a pluralidade de "foda"e, menos ainda, a força sincera e humilde do "puta que o pariu". Escroto, então, era um tabu que, vez ou outra, eu quebrava de maneira tímida para me referir àqueles babacas, cujas atitudes me davam tanto asco quanto a própria palavra escroto. Não gosto da palavra escroto em nenhum sotaque, nem gaúcho, nem mineiro, nem paulistano, menos ainda carioca, que chia incansavelmente o s, dando mais relevância ainda a uma palavra que, se eu pudesse, excluiria da língua portuguesa. Ontem, eu pensei em você e doeu demais, em todos os lugares que eu tinha para sentir dor. Do mesmo modo, falei de você e minha boca se encheu de um gosto tão ruim que já não podia aguentar. Pensei e disse que você era escroto, e só de ter pensado e dito isso eu entendi qual o limite que uma dor pode levar, para além de qualquer pira linguística sobre qualquer palavra do mundo...

segunda-feira, março 19, 2012

sol.

O sol se pôs e eu não chorei, mesmo tendo passado o dia inteiro morrendo de medo do momento em que isso aconteceria, eu não chorei. Acordei com o peito dolorido, saudoso, eu aproveitei cada segundo e cada raio desse sol que eu sabia, ai que pena eu sabia, ia acabar. O sol foi embora, foi calor, foi luz, foi dia. e que preguiça eu tenho de viver longe do sol, parece que a lua me encara e sabe que evitá-la, no fim, é inútil. O sol se pôs e se eu pudesse me teletransportava pro Japão pra ver o sol nascer de novo e aproveitar o sol, e só o sol, que me queima, me incomoda, me cega e mesmo assim eu gosto. Ai, sol, fica. Fica que dói demais longe de você, fica que à noite eu não confio em mim, nem nos gatos que ficam todos eles pardos. Se eu pudesse eu te amarrava, sol, colocava algema em cada raio seu que era para você nunca ir embora, ficar aqui, pra sempre, esquentando meu cangote. Gosto não de dormir de noite, era de dia que eu me sentia segura. Mas assim sem você, assim sem você, eu prefiro é nem dormir mais. E eu queria acreditar que a noite fosse curta, mas sabe deus se eu vou acordar mesmo no dia seguinte, né? Que a vida num ta fácil nem pra astro-rei, imagina pra mim, que nem de satélite passo, que nem luz própria encontrei ainda.. Então, sol, fica aqui meu beijo, meu cheiro, meu abraço, se a noite não parecer eterna, volte quando der...

sábado, março 17, 2012

Se fosse hoje o primeiro dia que eu te conhecesse, eu nunca saberia que um dia você teve tanto cabelo. Nem você lembraria que o meu se confundia com um rabo de rato e com roupas tão diferentes das que eu uso hoje. Se hoje eu tivesse te conhecido, você não seria meu amor impossível que transpôs uma distância física, tão mais sutil que essa distância de almas que me massacra e destrói. Se você me conhecesse hoje, talvez eu seria uma pessoa boa em contar papéis, porque eu teria que ter aprendido isso sozinha. Talvez você já soubesse cozinhar, talvez nunca tivesse comido na vida uma lasanha de escarola. E se eu te conhecesse hoje, eu te amaria desde a primeira vez porque eu não saberia que, enfim, isso não é o suficiente. Se hoje, mais velha, mais forte, mais sincera eu te conhecesse, talvez eu nunca te arrancasse uma lágrima, mas tantas foram elas..Se hoje, meu deus, se exatamente hoje fosse a primeira vez que a sua mão encostasse no meu cabelo, talvez eu nunca o cortasse, talvez eu nunca os perdesse, talvez eu nunca os desprezasse. Mas não foi ontem que eu te encontrei, nem anteontem, nem na festa da quinta passada. Acontece que eu te encontrei e seus braços e seu jeito e o seu abraço justamente quando eu mal sabia quem era e você sequer desconfiava do que queria. Foi lá, foi lindo. Sou dessas que trocaria alguns anos de vida por alguns minutos. Eu trocaria alguns anos de vida por poder voltar atrás para ter pegado o trem certo, onde eu te conheceria de novo, agora.

segunda-feira, março 05, 2012

Borboleta

Hoje uma borboleta veio aqui,
achei que ela ia me contar um segredo.
A vida após a morte, a minha sorte, o seu desejo.
Mas ela não falou nada,
nem queria ir embora.
Parecia tanto você, que até deu uma vontadinha
de prendê-la no armário,
de amarrar suas asas,
e chamar de minha.

domingo, março 04, 2012

solução

Não sei de que essência eu sou feita, mas se eu pudesse descrevê-la nos aspectos químicos (sobre os quais eu não sei nada além da fórmula do etanol) eu diria que sou feita de matéria facilmente solúvel, completamente capaz de aceitar o solvente que tiver à disposição, especialmente se vier derivado - e embebido em - álcool. Dessa minha capacidade quase universal  de me tornar solução, derivam minhas características mais minhas, das quais me orgulho e me envergonho, não em turno, mas concomitantemente. Facilmente me misturo, facilmente me apego, facilmente me transformo numa terceira fórmula nova - irreversivelmente mais interessante. Se por um lado me dissolvo em você (e nela, e nele, e nós) como se consistisse nisso a minha vocação mais sincera, por outro, resisto bravamente - ainda que entre gritos - ao calor extremo. Nenhum é capaz de me derreter. E enquanto você, ela, ele evaporam rapidinho porque acham mais fácil ser carregado do que resistir, eu fico ali, sólida e desconjuntada, parecendo não saber o que fazer. Mas eu sei exatamente: eu só fico ali esperando um outro solvente chegar, transformando esse meu jeito sem forma na nova solução que vai dar sentido - pelo menos naquela semana - para minha vida.