quarta-feira, julho 29, 2009

Dentro de mim moram o gato e o rato. Dentro de mim eles se perseguem incansavelmente.

O gato que mora dentro de mim continua seguindo os seus passos, continua errando o caminho, continua não cabendo em lugares pequenos, que nem é seu coração. O gato que mora dentro de mim tá com vontade de devorar você inteiro, de sentir o gosto de cada pedaço seu. O gato que mora dentro de mim não cansa, não pensa, não desiste de você e não mede esforços para conseguir o que quer. O gato que mora dentro de mim ficou preso no último desencontro e não pode mais continuar.

O rato que mora dentro de mim tem medo do escuro, tem medo de ficar sozinho, é pequeno e não pode se defender. O rato que mora dentro de mim vive fugindo, não sabe pra onde ir mas vai, como se ir fosse sua última solução. O rato que mora dentro de mim cabe em qualquer lugar e ninguém nota. Entrou e saiu do seu coração inúmeras vezes e você nem desconfiou. O rato que mora de mim é inseguro e vai se esconder tão bem que você talvez um dia não ache mais.

Dentro de mim moram o gato e rato. Dentro de mim eles te perseguem incansavelmente.

segunda-feira, julho 27, 2009

Há uma sutil diferença entre sentir falta e sentir saudade. Sentir falta é quando dói porque aquela presença não tá do seu lado. Não tem o cheiro, não tem o nome, não tem a voz, nem o jeito mal-educado de dar bom dia. Não tem remela quando acorda, não tem “dorme bem” antes de dormir, não tem abraço. Cadê os seus braços?

Sentir saudade não é só sentimento, é um estado de espírito. É não se reconhecer. Não dói só porque aquela presença não tá ali, mas porque um pedaço de você não ta ali. eu sinto falta do que eu sou quando estou com você, sinto falta do meu nome quando estou sem você. Eu já não sei o meu cheiro, não ouço a minha voz, nem dou bom dia. A remela ficou me olhando do travesseiro e eu não dormi bem. Eu nem queria dormir. Eu sonhei com você e com o abraço que eu sinto saudade porque os braços, esses malditos braços insistem que cabem só no seu abraço.

Quando a gente sente saudade é egoísmo e nostalgia, porque a gente só quer de volta o que a gente foi quando ser dois ou um não fazia diferença mais. Sentir falta é a sua ausência. Sentir saudade é o meu vazio.

Sentir saudade é ser obrigado a olhar sozinho para o espelho e levar um susto quando notar que você esteve ali o tempo todo. Dentro de mim…

Começa com o nervosismo. No começo é tudo psicológico, só de saber que você tá sem começa a se condicionar a sentir falta. Mas tinha que ser assim. Primeiro a ansiedade, e não consegue entender o que fazer com o tempo que agora sobrava. Nada de cigarros. Ok, nada de cigarros. Vício é uma desgraça. Aquela ansiedade de ficar sem te fazia comer mais, falar mais, chorar mais, menos ser mais feliz. Aí os sintomas começam a passar pro corpo. Você fica mexendo freneticamente no cabelo, come o canto dos dedos, morde o lábio daquele jeito que você faz quando fica nervosa. Escreve e apaga. Escreve e apaga. Chora por qualquer motivo. Tudo tá muito ruim. Vício é uma merda. Depois que passa a fase da ansiedade você fica nostálgica, pensando o quanto você era melhor com o vicio, que talvez parar não tenha sido uma boa idéia. Não, não foi uma boa idéia.

Sua fraca, não consegue ver graça nas coisas sozinha. Precisa de tudo que o vício te traz, até a dependência.

“alô, querido. Volta logo que não dá mais sem você”

terça-feira, julho 21, 2009

Uma vez o gurizinho tava abaixado mexendo no cocô do cachorro da vizinha com uma vareta, tava brincando com aquilo, tal qual fosse um pedaço de terra que cheirasse a grama recém-cortada. Eu tentei dizer “gurizinho, isso aí é sujeira”, eu disse “gurizinho, isso fede”, mas o gurizinho não me ouvia, mexia naquela merda toda com muita cautela, como se qualquer movimento mais bruto custasse a queda de um bibelô de porcelana. Quando cheguei perto o cheiro me enjoou de uma maneira que acabei me afastando rapidamente. Gurizinho notou, me olhou com uma cara de pena, como se eu fosse mais uma idiota achando que aquilo era pra dar asco. Gurizinho voltou de novo praquela nojeira, mexeu pra cá, pra lá e não parava de sorrir. Eu, idiota, pela última vez tentei alertar: “Gurizinho, você sabe o que é isso?”. Ele me olhou com um cara engraçada, riu do meu cabelo e disse “é amor”. “Não, gurizinho”, eu ainda repliquei “to falando disso que você tá mexendo, isso que você mexe como se fosse bonito, mas que é sujeira e fede”. Ele soltou a vareta, me deu a mão, suja, me levou pra longe daquele lugar. Embaixo duma árvore, me fez deitar no colo dele, que ainda cheirava mal mas eu já não ligava e disse: “então, flor. É amor…”

domingo, julho 19, 2009

meu pecado, seu padre, é a gula. eu quero comer tudo, com toda a minha extensão. eu sei, seu padre, que eu já parei há muito de comer pra saciar minha fome, fico aqui, me entupindo de comida pra ver se passar essa vontade de viver. o pior, seu padre, é que ultimamente eu deixei o chocolate de lado. hoje eu me alimento dele...
eu me alimento da imagem dele, dos sonhos dele. eu como ele pelos meus cinco sentidos. eu me alimento da lembrança dele e me farto de expectativas.
De repente vem algum mau estar no estômago. as vezes dói. mas é como um vício, sem ele não dá. eu começo a não achar motivo pra levantar da cama.
tem dias que ele não deixa. tem dias que ele não se faz de alimento pra minha fome. tem dias que eu quero comer esse prato de paixão com molho de ansiedade e ele não deixa. me deixa com fome, me faz dormir com o estômago vazio.
mal sabe ele que dormindo assim, eu acordo quase maluca. meu corpo todo pedindo pra eu voltar a comer aquele menino. que tem gosto de medo quando a gente morde, mas deixa qualquer coisa de saudade na boca quando vai embora...

domingo, julho 12, 2009

Quando Fabiano nasceu não chorou, não reclamou, não deu trabalho nenhum. O pai, que era fotógrafo de céu viu nos olhos pequenininhos de Fabiano um brilho bem maior do que da Lua, quando ela fazia pose no céu pra ser fotografada. Fabiano era quieto feito estrela.
Margarida nasceu gritando, destruindo os movéis da casa, falando sem parar e imitando artista de cinema. Queria ser escritora e quebrou a máquina de escrever do avô. Não tinha cuidado com nada, mas também não precisava que cuidassem dela. Margarida tinha a boca cor de morango, sua fruta predileta, e nos olhos não tinha nada, porque o pai não era fotógrafo de céu, era só desenhista de flor.
Quando Fabiano cresceu continuou carregando nos olhos o brilho da Lua que o pai fotografava e o jeito de estrela. Margarida continuou falando sem parar e quebrando as coisas que passavam por ai. De tanto quebrá-las, Margarida foi se machucando. As mãos, as pernas, os pés, o coração ia todo cortado ao longo da vida. Margarida é fraca, porque flor não aguenta ventania, enquanto estrela ri da cara da brisa.
Margarida quando viu Fabiano reconheceu na hora aquele jeito de estrela, quieta. Dava o que tinha pra brincar de ser céu, e segurar Fabiano num abraço. Mas Margarida não era céu, tinha nascido de um desenhista de flor, e só flor podia ser. Margarida não tinha tato para cuidar de estrela, desde criança quebrava tudo, estragava o que mais gostava. Mas flor, no fim, é flor: tem espinho e murcha rápido. Enquanto estrela brilha, brilha, e quando a gente já dormiu e acordou uma vida, ela brilha.
Margarida não merece Fabiano. Não pode ficar do lado dele muito tempo, porque a primavera passa, a flor enfeia enquanto o céu continua ali. quietinho. Margarida queria dizer pra ele que sabe que ele é estrela igual a que o pai dele fotografa, queria dizer que precisa dele mas que entende que flor e estrela não terminam juntos e não se dão bem. Flor tem medo, estrela assusta. Ela queria explicar. Queria, mas ficou quieta, porque flor quebra com o vento, e anda ventando demais por aí...
Mantém a luz apagada, eu não tenho medo do escuro, eu gosto do breu, quanto mais escuro tiver melhor eu me sinto, sozinha com os meus pensamentos, sozinha com os meus planos e os meus desejos, que, no escuro, nao me envergonham. Mas você vem e me tira tudo, tira meus pensamentos, tira meus planos, assim o escuro me assusta. Eu não tenho medo dos monstros, eles é que fogem de mim.
Acende uma meia-luz, vai, deixa eu ver seu rosto sem enxergar seus olhos. Essa meia-luz traz a forma do teu corpo, traz algum resto do teu pensamento que eu queria que fosse meu. Você não entende, fica me assustando com histórias de monstro do escuro, você quer me assustar com o desconhecido. Mas eu já não tenho medo.
Não, não acende a luz desse jeito senão você vai ver tudo. Vai ver que eu não sou bonita, vai ouvir a minha voz é feia, não é como a minha letra que você tá acostumado. Mantém a meia-luz que você pode me ver, sem descobrir quem eu realmente sou. Quem eu sou você não gosta, eu sei. Se você quer ir embora, eu deixo. Mas mantém a luz apagada e devolve meus planos pra eu brincar e os meus desejos pra me envergonharem. Assim, no escuro total, dá pra fingir que você tá do meu lado, sem uma fresta de luz refletindo na parede e me lembrando, de um jeito nada gentil, que eu to sozinha com os meus monstros, como eu sempre tive.

quinta-feira, julho 09, 2009

ele vem e me diz que eu não sei, que eu não entendo as coisas. Tá dizendo que eu não penso no que faço, que acabo fazendo papel de patética, que eu não uso a cabeça.
O que ele não sabe é que eu sei. Eu sei por todos os meus sentidos e não pelo meu raciocínio. Eu sei pelo meu sorriso e pelo jeito que ele escapa da minha boca sem que eu pense. Eu sei pelo estômago que se revira quando ele aparece e não pelo cérebro. Eu sei pelos dedos das minhas mãos que parecem vazados sem outros dedos fazendo de duas mãos uma trança só. Eu não penso. Eu não penso nas consequências, mas eu sinto aquela tristeza sem resposta, consequência inevitável de quando a gente se despede. E fica aquela sensação que eu nunca disse tudo, ainda que eu tenha falado demais. Ele diz que eu não sei, mas eu sei pelo gosto de choro feliz que chega na minha boca toda vez que ele se permite não saber. Eu sei por aquela vaidade que apareceu de novo quando ser bonita ou não já não fazia mais diferença. Ele diz que eu não tenho cabeça, mas foi ele que me fez perder ela por aí, em algum canto além-mar.

domingo, julho 05, 2009

Ele não gosta de chocolate, é por isso. Ela sempre achou um absurdo alguém não gostar de chocolate, ‘Quem não gosta de chocolate não gosta de nada!’. Era assim o Fabiano. Fabiano era tranquilo. Ainda novo percebeu que essa coisa de se exaltar demais, no fim, não valia a pena. Bebia cerveja pra socializar, mas preferia vinho. Não tinha medo de muita coisa, não, mas preferia não falar de morte. Fabiano achava que certas cores não combinavam, mas não achava isso importante. Lia muito, escrevia pouco. Escutava o que queria e falava quase nada, que é porque ele achava que os humanos não valiam a pena. Fabiano tinha ideais, mas parecia evitar ideologias. Não era do tipo que se apaixonava e nem lia poemas de amor. Fabiano não gostava de comemorações e nem de festas, mas acabava indo em quase todas. Fabiano não gostava de verduras e não gostava de cozinhar. Fabiano não gostava de gostar e, por isso, não gostava de chocolate.
Quem não gosta de chocolate nunca vai entender quando ela falar dos fogos de artifício, e a lua. Não vai entender como pode se entregar desse jeito. Não vai entender a graça do vermelho e do verde juntos, em qualquer época do ano, fazendo parecer natal o chato mês de Abril. Ela tinha certeza que quem não gostava de chocolate nunca ia entendê-la. E Fabiano não a entende. Porque Ela era maluca. Ainda nova percebeu que essa coisa de se calar, no fim, não valia a pena. Bebia vinho para se embriagar, mas preferia cerveja. Morria de medo de tudo, mas preferia falar de amor. Ela achava que todas as cores combinavam, e usá-las todas era muito importante. Lia muito, escrevia mais ainda. Não conseguia escutar de tanto que falava, porque achava que os humanos tinham que falar um pro outro. Ela tinha ideais, e não fazia ideia do que era ideologia. Era do tipo que se apaixonava por tudo e decorava poemas de amor. Adorava comemorações e festas, mas acabava não indo em todas. Ela levou três dias para se apaixonar por Fabiano, que levou três meses pra notar. Ela achava que todo mundo tinha sua própria versão de “Eduardo e Mônica” e ele preferia não ouvir legião. Ela sonhou que ele não ia querer ficar com ela. Fabiano acordou achando ela ridícula. Então ela foi comer um chocolate, porque hoje só duas coisas fazem sentido: Fabiano e chocolate.

Nunca juntos.

quarta-feira, julho 01, 2009

Eu devia ter te escrito aquela carta. Sempre segui minha intuição e ela dizia "envia" e eu negava, porque com você minha intuição foi embora e meu sexto sentido se perdeu. Os outros cinco também se confundiram, e eu fico achando que sinto o cheiro pelos olhos, que encosto na sua pele com o ouvido e que ouço a tua voz quando leio. Mas então, eu te escrevo agora essa carta pra dizer que eu devia ter escrito aquela outra. Eu tinha pensado em tudo... uma folha verde, a minha letra vermelha, a velha piada sobre o meu mau gosto com cores. e eu não escrevi! Ai, se arrependimento matasse, essa cama agora seria minha cova. Na carta que eu não te escrevi teriam todas as palavras que eu já te disse, as que eu não te disse mas você sabe quais são e aquelas que eu não te disse e que você nem desconfia. Eu quero te preservar tanto que acabo me prendendo numa jaula e fazendo do meu sentimento qualquer tipo de fera perigosa que tem que ficar isolada. Mas essa jaula que eu criei vive exposta, e as vezes você vem com essa sua cara de turista despreocupada e alimenta meu sentimentos e depois ri deles, como se eles fossem um macaco a quem você deu uma banana de mentira.
E eu vou pegando essa banana que parece de mentira e olho com calma até começar a acreditar que ela é de verdade. Um dia você volta, sem a cara de turista e abre a jaula do meu sentimento. Meu Deus, por que foi que eu não escrevi aquela carta? Agora não posso remediar, agora eu não posso te obrigar a ter um pedaço de mim com você. A primeira vez que eu te disse o que eu nunca devia ter te dito foi por uma carta. Carta é fácil porque a resposta, se vier, demora, e eu posso me armar contra aquela sua mania de não dizer nada. Agora já passou, eu não escrevi aquela carta, a minha jaula ainda tá fechada, te espero lá com uma carta que eu não escrevi, e com uma banana de verdade para te dar...