sexta-feira, abril 20, 2012

Vou confessar escrito, o que nem sob tortura tenho coragem de dizer. Eu sempre esperei, faço hoje da minha vida um eterno esperar. Eu espero que você volte e fique aqui, que diga as coisas que só fazem sentido se ditas  por você. Eu espero de outro beijo, que seja o seu. Eu espero das outras pessoas atitudes que só você tomaria. Eu espero do meu prato de comida, que você prove. Eu espero a sua companhia, e eu te esperei esse tempo todo porque só fazia sentido esperar e não porque eu tivesse me programado a isso. Eu espero enquanto prometo esquecer, eu espero enquanto acordo porque andei esperando dormir, pra ver se - ao menos enquanto eu sonho - minha vida não seja espera. Eu acordo, olho pro lado, espero que seja verdade e quando é mentira, eu espero esquecer. Eu espero seu telefonema, seu chamado, eu abro emails antigos e espero antigas saudades. Eu espero desde o dia que eu te conheci: esperei que você se acostumasse a mim, esperei me acostumar a você. Mais: esperei a gente se entender. Muito tempo antes disso, eu esperei os meses passarem, esperei os quilômetros diminuírem, esperei a curiosidade virar amor. Eu sou boa em esperar. Queria dar um basta nisso, dizer que não, que chega, que parte pra outra já que você não reconhece mais a minha espera. Eu sou ridícula porque no fundo eu sei que vou esperar, tantos dias e noites forem necessárias, ainda que eu finja que não. Eu espero que não, mas, cá entre nós, sabemos que sim. Espero porque é exatamente isso ai, eu te espero desde o dia que eu nasci.

segunda-feira, abril 16, 2012

O casaco de renda.

Entrou em seu quarto na posição que agora lhe cabia: de estranha. Pediu licença e foi discreta, assentando calmamente a bolsa sobre a mesa, para evitar que fizesse muito alarde naquele espaço arrumadinho que ela acabava de conhecer. Viu um casaco de renda sobre a mesa, embaixo da calça jeans dele. Achou que o coração ia saltar pela boca no mesmo instante que ela gritasse: de quem é esse casaco? Era de bom gosto, a renda; de péssimo, o sentimento. Engoliu a seco e esboçou um sorriso falso, que ele conhecia bem: infelizmente, era o máximo que ela conseguia fingir, afinal, podia racionalmente entender que ele tivesse um casaco e a dona de um casaco em cima da mesa - ou da cama, coisa que preferia nem pensar - mas não podia obrigar seu coração a passar tranquilamente por esse fardo. A garganta doeu de segurar o grito, a concentração foi embora, como ela queria ir, mas não foi. Resistiu bravamente e trabalhou, frente ao casaco que, a cada segundo, olhava pra ela com desdém que só uma renda pode olhar. Resolveu dormir pra esquecer, mas não cabia direito em sua cama, havia um espaço que lhe oprimia, talvez porque o casaco ainda estava no mesmo metro quadrado que ela. Dormiu, enfim, e sonhou com o maldito casaco. Se aquelas rendas se desmembrasse em fios, virariam facilmente uma corda digna de enforcamento, estava provado que casacos de renda também pode sufocar. Além de lidar com o sufoco de tolerar aquele maldito casaco, ainda tinha que ser gentil com ele, já que nenhuma culpa ele tinha. Não eram mais namorados, tentava repetir tantas vezes quantos pontos de crochê contava no casaco. Foi uma tarde inteira de superação e quando conseguiu convencê-lo a mudar de cômodo, e respirar o ar puro e livre do casaco, ouviu lá ao fundo a quarta voz (não a dela, nem a dele, nem a do casaco) perguntar sobre um tal casaco de renda. Ele não sabia, ela sim. Respondeu: está embaixo da calça jeans, como se tivesse dito: Obrigada, quarta voz, por me tirar esse fardo. E o casaco se foi, sem qualquer briga. Teve orgulho dela, dele e até do casaco que, com a sutileza e fragilidade da renda não se desfez em fios cortados, nem com o olhar mais odioso dela...

segunda-feira, abril 09, 2012

perdas.

Tirou os sapatos antes de entrar, limpou a mesa, arrumou a mala. Guardou o que era seu, inclusive os segredos. Não teria mais uma vida compartilhada e só depois de tanta coisa sendo rompida gradativamente percebera isso. Foi preciso que ele lhe contasse para que fosse verdade, como quando sua mãe lhe contava histórias e de repente elas existiam. Se ele disse, então não podia ser mentira. Ele não era de mentir, e se nos olhos dele não havia mais o que colher, o que resgatar, era porque, enfim, haveria um fim. A dor de admitir sua perda já lhe tirara a fome, a alegria, o brilho dos cabelos e o canto das unhas. Os dias sem sua presença lhe tiraram o ânimo, a beleza e um pouco da sinceridade. Mentia todos os dias dizendo "tudo bem, e você?"aos semi-desconhecidos que andavam por ai, tão irrelevantes quanto figurantes de seriado zumbi. Ele lhe tirara um pouco da auto-estima, da vaidade: por um tempo, achou que só fazia sentido se por bonita se ele a visse, mas ele nem a olharia mais. Então, acontece - a gente cansa de perder. Tirado tudo dela que ela tinha, ele devolveu, e tirou de novo, como se num ato de tortura ela pudesse saber o quanto é bom ser mais de um, o quanto faz mais sentido ser dois. Mas essa certeza também lhe foi tirada. Tirou a roupa, enfim, a maquiagem e, com o sono furtado, foi deitar. Hoje, não lhe tiraria  nada,além da única coisa que de fato ela perdeu: ele.