segunda-feira, agosto 29, 2011

"Ainda bem que eu nunca cheirei", pensou ela enquanto acendia um cigarro, comia um doce e ouvia a mesma música nova do chico. Ainda bem que eu nunca cheirei. Sabia ser dessas pessoas compulsivas e fora o regime e a asma, viveria bem com todos os seus vícios. Com quase todos, aquela dor lhe lembrava. Que delícia que ele era. Que ele foi. É, professora, que dificuldade em conjugar verbos quando se trata muito mais de tato que de papo. Ainda bem que eu nunca cheirei. Morreu de rir de si mesma lembrando que o cheiro dele tinha um que de droga, como tudo naquele menino. Foram anos demais de vício, e o rehab agora era difícil: tentou por doses homeopáticas, mas sempre foi dessa espécie de gente com quem o meio termo não funciona. Ou tudo, ou nada, e sempre acaba com nada, maldizendo essa mania estúpida de preferir aguentar a dor até o fim ao invés de amaciá-la. Enquanto tivesse álcool, amigos, Eu sei que vou te amar e aquela música do Led Zeppellin, ia preferir a dor que, em algum momento, viraria saudade. Não se morre de saudade, mas os vícios corrompem. No manual antidrogas do colégio, ela aprendeu que a maconha levaria ao crack, que era morte certa. Não era verdade, tudo bem, mas talvez funcionasse com outros vícios. Ela lembrou de você, sabe como é: os olhos, a boca, a barriga. Achava graça no próprio choro quando lembrava  do seu corpo. Ok, manual antidrogas, você venceu: a mão dele levou à boca, que levou às pernas, à virilha: tudo em combo, quase pior que ópio. Em abstinência, ela tremia, suava, chorava baixo e mordia o lábio. Saciada de você, ela fazia exatamente o mesmo! Você não vai esquecer do jeito meio convulsionado que ela sempre tirou sua roupa, sempre com pressa, sempre com sede. A certeza de que disso você não vai esquecer ainda a consola, enquanto ela enche o seu copo e o dela, para beber os dois.

segunda-feira, agosto 22, 2011

A gente não distingue tristeza de dor quando o choro não sai, fica que nem faca machucando aquela região entre os olhos. Mas as lágrimas não vem. Vem o soluço, a tremedeira, a taquicardia, porém nada de lágrimas. Que porra, às vezes eu queria gozar lágrimas, sabe. Quem sabe assim seria mais fácil provocá-las e jorrá-las, quem sabe assim doía menos guardá-las nessa região maldita entre os olhos, logo abaixo do meu cérebro cansado e acima dos meus olhos secos. Eu tô fodida com o mundo, ofendida com a cara de pau. Vem cá, minha gente filha de uma puta, venham todos e justifiquem essa vontade imensa de transformar em palavrão as lágrimas que vocês levaram de mim. Meu choro vai que nem cachorrinho ao lado dessa sua vagabundice. Não, eu não choro mais diante de tanta sujeira. Conforme sua dignidade se esvai, minha emoção mingua, e quando eu me tornar um nada cansado dessa sujeira toda eu vou virar pó, desses que fazem espirrar e catarrar os alérgicos. Quando essa merda de mundo acabar comigo e com a minha paciência, ai que bom que vai ser meu deus, porque eu vou ser pó, seco, totalmente sem lágrima. Mas igualmente sem dor nessa região tão importante pra mim: no meio do olho, como dói, justo donde ele às vezes me beijava. Então, gente ruim, quando eu virar pó - meu último pedido - vê se me varre, que eu não quero ser mais uma sujeira nessa sala emporcalhada.

segunda-feira, agosto 08, 2011

Portuguesa

Odeio pizza sabor portuguesa, acho que não combina botar ovo e presunto em pizza. Nunca pedimos pizza de portuguesa - mesmo sendo o seu sabor predileto - porque eu odiava. Desde que você foi pra longe (não de mim, mas de nós como um só) não vejo mais graça em pedir comidas. Mesmo que tenha sido eu quem escolhi todos os sabores de tudo que comemos, eu tinha você pra legitimar minha escolha com um sorriso e um "tanto faz pra mim". E tanto fazia, mesmo, eu sei. Mas talvez se alguma vez você tivesse sido menos tanto faz...

Hoje comi pizza de portuguesa, fui coagida por uma mesa inteira. É claro que eu podia ter comido só os pedaços que me cabiam da outra metade do sabor que eu mesma escolhera, mas eu quis comer pizza sabor portuguesa. Por quê? Porque não é tanto faz pra mim, nunca foi. Não, a pizza não tava gostosa e a ervilha tinha gosto de saudade, mas eu comi e por um segundo era como se eu estivesse comendo o que ainda tem de você em mim. Engoli com cerveja, para ver se descia mais fácil.

O garçom perguntou se eu queria mais e a verdade é quem nem para isso eu tinha resposta. Ele desistiu de mim porque eu pensei muito. E por pensar demais que normalmente as pessoas desistem, não é mesmo? 
Que triste, eu pensei. Quem sabe um dia seja tanto faz.