domingo, março 23, 2008

Uma vez ela ouviu falar de extraterrestre. Ela não sabia o que era. Não sabia, portanto, o que tinha que sentir quando falassem disso. Resolveu que medo não seria. Começou a se adaptar a idéia, e a imaginar como seria uma coisa que não fosse da terra. Seria maior que o tio que já era tão grande? Seria menor que uma galinha? De tanto imaginar deixou que a imaginação dissesse. Seria pequeno: um palmo, e ficaria no seu ombro que nem fosse um papagaio. Bem bonitinho. E ia ser seu amigo, iam dormirem juntos e conversarem...Ele ia entender o porquê de tantas coisas que ela sempre teve vontade de explicar mas nunca soube pra quem. Foi então que ela rezou, como a mãe tinha ensinado, pra que esse extraterrestre viesse logo pra cá. Mas ele nunca aparecia. De tanto rezar, dormiu, e só acordou quando já era moça e nem lembrava do que queria quando era pequena. Só foi pensar no tal extraterrestre quando a prima sumiu. A menina, agora moça, se perguntava por que que a prima que era tão chata e feia tinha sido escolhida pra ir embora com os extraterrestres e ela não. Ficou decepcionada. Mais adiante se apaixonou e resolveu que ia casar, fosse o que fosse. Tinha amor e tinha vontade, mas antes de olhar pro padre e dizer; sim! ela pensou que podia ser esse o momento do tal amigo extraterrestre levá-la pra dar uma volta no mundo e voltar; pra não casar assim sem ter conhecido nada. Mas ele não foi. Ela chorou e todo mundo achou que era a emoção de casar. Nesse dia ela pensou na prima e lembrou da gravidez que a família escondeu na França, e lá no fundo pensou 'eu sabia que eles não iam levá-la e me deixar aqui'. O casamento foi indo e um dia ela teve filhos. Ela nunca deixou que os filhos tivessem medo de extraterrestres, e pensava: já que eu não fui, leve-os, só pra conhecer o mundo e voltar...Acontece que isso não aconteceu. A vida foi seguindo, os filhos indo embora...e antes do menor deles sair de casa ela pensou, que extraterrestre mesmo é a vida, que leva a gente pro mundo, sem trazer de volta.



Esse texto é todo dedicado a Dona Lina Abboud, pros íntimos: mamãe.

segunda-feira, março 17, 2008

O dia era frio. Por que uma pessoa põe sofrimento na outra justo em um dia frio? Em dia frio não é saudável sofrer. Eu fui andando naquela chuva. Não tinha dinheiro. Ou eu pegava o ônibus pra ir, ou pra voltar, ou pra comer. Fui caminhando. Cada pingo pesado, que eu nem sentia. Doía mais pensar em você. Fui indo sem nem sentir. Quando cheguei, tava toda molhada. Passei tanto frio, mas nem senti e nem culpei aquela chuva de pingos grossos, culpei você, que sequer me abraçava. Não comi, não tive fome. Só frio. Então resolvi me dar ao luxo de não andar mais sob a chuva. Peguei um ônibus. Que tava quente, cheio de gente. Era como se todas aquelas pessoas que fugiam da chuva como eu, me dessem um abraço quente. Igual ao que eu te pedi e você recusou. Sentei e chorei. Não tava triste.

'Minha filha, tá tudo bem?'

'tudo sim, seu cobrador, é só uma notícia boa que me fez chorar'

E eu ainda não sei se chorava porque tava tudo quente, ou se porque tava tudo bem, como dizia a mensagem que você deixou no meu celular molhado.

domingo, março 09, 2008

Prefira o desprezo.
Essa coisa de que o pior dos tormentos é a indiferença é balela, meu senhor.
Prefira a indiferença.

Porque é essa coisa de ódio incomoda, dá trabalho. Ai, ficar odiando dá uma canseira que só vendo. Foi aí que eu desisti de odiar. Porque odiar implicava em me fazer pensar no ser odiado e isso dava uma preguiça; porque eu não sabia mais porque odiava, já que nada me incomodava, já que nada eu lembrava. Era como se ele nunca tivesse existido. A indiferença bateu em mim que nem batesse uma varinha mágica, sabe? Parei, numa bonita tarde de verão quente, de odiar.

E amar? Ai, nem me fale. Amar suga as energias. Ontem mesmo nem consegui trabalhar de tanto que eu amava. Vê só: eu tinha quatro livros pra ler, e que foi que eu fiz? fiquei sorrindo, olhando pro teto e pensando no desgraçado. Cansei tanto que acabei dormindo. Não, o pior que sequer deu pra relaxar com esse sono, o filho-da-mãe me persegue até dormindo. Acordei exausta de tanto amar. Isso, te digo, porque ele tá longe. Imagine o senhor quando ele tá perto. Não durmo, nem quando ele dorme. Que é de amor ficar acordada vendo o sono dele. Não como, não bebo, quié porque ele mata minha sede e minha fome. Ai, o amor. L´amour, monsieur. Destrói. Por que que eu fui amar, meu senhor? Sabe-se-lá. Acho que foi a inteligência dele que fez isso comigo. Ele é ótimo. Descobriu antes de mim, antes de você, quiça antes da humanidade inteira que o melhor caminho é a indiferença. Ele fica intacto e tira de mim o que precisa pra viver; a minha energia.

Por isso, aqui, meio sabida da vida te digo, senhor, que me escute. Pois eu reitero: prefira o desprezo.