quarta-feira, julho 21, 2010

saudade

Você era a única da família que falava árabe tão bem quanto português e conseguia reunir o que tinha de melhor nos dois países…Faz um ano já que você partiu, eu queria tanto saber quando falar de você vai me doer menos. No fundo, fico pensando que eu não quero que doa menos, porque eu tenho medo de te esquecer. Antes de você ir embora, você já não tava aqui, eu sei, mas a ter a possibilidade de ainda te ver, a saudade de um tempo que voltaria é muito mais suportável e doce que essa distância intransponível. Eu uso seu perfume, eu não quero esquecer nunca seu cheiro e me prendo na certeza que vou te encontrar mais uma vez, em algum lugar onde o cheiro não importará mais. Foram poucas as vezes que estive contigo se comparadas ao amor que ainda sinto por você. Eu te reconheço em outros gestos e vejo a sua mão quando olha para as mãos da minha mãe. Eu hoje sinto saudade de você olhando para os outros: outras avós que não tem o seu abraço Eu queria ser mais parecida com você, infelizmente não nasci nem com seus olhos, nem com seu jeito de acalmar tudo, de fazer cafuné e de dar boa noite. A saudade que eu sinto me faz ter mais medo de continuar vivendo, mais medo de perder outras pessoas como eu te perdi. Arrependo-me tanto de não ter escrito mais cartas enquanto era apenas um mar, e não uma certeza – a da morte – que nos separava. Às vezes fico fingindo que você vai voltar, sabe? Queria te escrever um livro, dizendo tudo que eu senti e não disse. Eu chorava toda vez que você ia embora, e hoje tenho a impressão que nunca chorei o suficiente em cada partida sua. Eu poderia não ter escrito isso e você teria lido, porque eu sei que você tá do meu lado, sorrindo desconfiada do meu projeto de mestrado nada católico. Eu não sou brasileira nem libanesa, eu sou esse misto que me faz tão sua neta que até assim, de tão longe, você me reconheceria e sentiria um orgulho no jeito que eu escrevo ao contrário um alfabeto que para nós duas, e só pra nós duas, já nasceu meio torto.

quarta-feira, julho 07, 2010

Você teve um dia de merda e tudo deu errado. Clonaram seu cartão, sua aula foi um porre, você não tem nem um centavo na carteira. Tudo bem, pensando bem em dois dias você vai vê-lo e tudo fica bem de novo. Mas hoje, justo hoje, você teve que andar a mesma merda de caminho três vezes porque a burocracia não acabava, não conseguiu estudar e teve cólica. Você queria uma cerveja e um abraço, mas você não pode beber porque dói, e tua cama continua vazia. O dia não acabou e ainda faltam dois dias para que você ache os braços que tanto procura. Você só queria que o dia acabasse. Era inverno, porra, por que esse sol queimando suas costas que doem porque a mochila ta pesada com a compra da semana. Mas o dia se arrastava, sua aula não tinha nem começado e você ja tava pedindo arrego. A aula durou um curso inteiro e seus amigos te chamaram pra ir pro bar. Você foi como quem nada tem a fazer além de tentar sorrir: nem álcool, nem ele. Fazer o que ali?
Volta para casa e come, é a única serotonina que te resta pra hoje. Sua anta, colocou molho de tomate na comida, atacou a gastrite. Ok, vai jogar baralho para distrair a cabeça. Mas você ainda ta pensando nele. Azar no jogo, perdeu as três quedas. Você continua cansada e manda todo mundo embora pra dormir. dor dor dor, vai deitar, que o dia já acabou. O dia já acabou e o outro dia chegou, e você nem notou. Um dia que não se parece, nem um pouco com os outros dias. Falta só um dia para você ver quem faz aniversário hoje, um dia para voltar a fazer sentido o resto das coisas que não combinam com seu dia a dia. Falta um dia, você aguenta, eu sei. A saudade é que não...