sábado, maio 31, 2008

Boa noite, senhoras e senhores. Eu simulo histórias de amor. Os senhores não se assustem nem me condenem, porque eu podia estar a roubar um aqui, a matar um acolá e não estou. Estou inventando, ora. Que mal tem? Eu invento histórias de amor e, por antemão aviso, não prejudico ninguém, vez ou outra, acabo maltratando a mim mesma, mas até aí, quem não for masoquista que me julgue, porque eu assumo: eu invento histórias de amor. Já inventei, senhores, a do primeiro namorado. Conhecem? Bom, a história do primeiro namorado se passa na entrada da adolescência. É certo que a maioria escolhe um rapazinho da mesma idade que dê flores e diga que ama sem saber o que pode ser isso. Acontece que eu, enquanto autora das minhas próprias histórias, renovei. Escolhi um desses homens de mais de vinte anos, barba cheia e palavra bonita. Inventei pra ele um amor. Meu Deus, foi patético. Mas primeiro namorado é sempre patético. Aqueles que pai não sabe, e tal. Bom, a história do primeiro namorado, ao contrário do que a palavra ‘primeiro’ pode supor, de nada importa. Vamos ao segundo namorado, o ‘namorado de levar em casa’. A história que eu inventei pra esse, senhores, há de valer o Nobel da Criatividade um dia. Pois bem, o ‘namorado de levar em casa’ devia de ser um rapaz bonitinho, desses de sorriso franco, honesto, sabem? O tipo bom moço. E, de fato, eu inventei um desses para mim. Esse sim, supõem vocês, me dará flores e dirá que me ama. O segundo, asseguro, o disse. E talvez (não sou eu que pretendo julgar o sentimento dos meus personagens), amasse, de fato. Sabe-se lá o que será o amor, prossigamos: o ‘namorado de levar em casa’, ao contrário do suponho que os senhores supuseram não me deu flores: nem flor, nenhuma. Passei uns dias minha vida esperando meu personagem fazer o que eu esperava. Mas acontece que eu redigi mal a história e acabei sem flores. Sem flor e sem emoção. O ‘namorado de levar em casa’ nunca emociona, porque não gosta do kubrick e tem medo de mulheres que não são boas moças, afinal, ele é um bom moço. Eu, que já disse que sou masoquista, não sou boa moça, compreendem? Não nasci pra ‘nãos’, não bebe, não dança dessa maneira, não usa essa roupa, não pega aí nesse lugar. Não, não era comigo essa história de não. O bom moço, o ‘namorado de levar em casa’ não queria uma moça que não fosse boa. Digamos, eu podia ser boa, mas não boa moça, apesar de também ser moça. Enfim, o que importa é que o bom moço não emocionava em nada, e sem emoção, eu não podia escrever então a história acabou. Em verdade, a história não veio de fato a acabar, ela foi cortada por uma outra história que eu resolvi escrever. Essa história, senhores, foi um dramalhão. Lindo, do início ao fim, de começar e terminar chorando. No auge da minha besta juventude comecei a escrever a história da paixão. Eu, que tinha tido o primeiro e segundo namorado, agora havia me apaixonado. Pasmem, depois de dois namorados é que eu fui me apaixonar. É de chorar, minha gente. De chorar de tanto rir. Vamos então para a paixão. Ah, a paixão vocês já sabem são todos aqueles clichês: olho no olho, aquela sintonia. Meu deus, a paixão. A paixão sabia dos meus desejos, das minhas vontades, a paixão ia me enlouquecendo, me fazia soltar o que eu tinha de pior e de melhor. Pela paixão eu gritava, eu suava, eu gemia. Eu matava, se ele quisesse. Eu me arrastava, eu era toda sangue, eu era toda uma coisa sem nome, que a paixão me transformava, eu era sem nome, sem endereço. Eu era um suporte pra hibiscos coloridos que ele espetava do lado da minha orelha. Eu era eu, em todos os meus defeitos. Ele suportava os meus defeitos e até gostava de uns. Ele satisfazia aquelas coisas que só se tem coragem de contar quando é a paixão que fala contigo. Meu deus, a paixão me consumiu e fui ficando fraca. Fraca. Fraca. Quando a paixão resolveu me deixar, porque paixão tem dessas, de deixar a gente. Quando a paixão resolveu me deixar eu vi que eu tava fraca e ninguém podia me segurar. Ninguém. E eu, que com essa mania de inventar tive que agüentar sozinha a dor de inventar um amor tão grande que me destruía. E eu fui caindo, sem força nenhuma, achando que agora, a inventora dentro de mim se calaria e eu ia parar com essa mania de inventar história de amor... tinha morrido aquela vontade de criar e fazer poesia, e acordar cantarolando e dormir abraçado e...

Pluf, criei mais uma história, meu dedos frenéticos queriam escrever mais uma história de amor. Mas se a do primeiro, a do segundo e a do terceiro namorado não tinham dado certo, que é que eu, pobre inventora, podia fazer? Criei a história de amor do não-namorado. A história do não-amor. Daquele que veio pra não gostar de mim, daquele que não quer me namorar. Criei ele assim, do jeito que eu gostava, com umas manias bobas, é verdade, mas lindas, com um cheiro que misturava com o meu, com um jeito de cuidar que fazia falta quando tava longe, com uma indecisão absurda que era pra bater de frente com as minhas certezas. Essa história não podia ter amor, não pode. Comecei a me perder, o que é que tava acontecendo? E pela primeira vez não era eu que escrevia o meu roteiro...

[qualquer coisa assim sobre você, que explique a minha paz...tristeza nunca mais]

2 comentários:

Guto Leite disse...

Me lembra Chico, num dia especificamente vil! Eu adoro os doces que você me dá com a sua prosa!

K.C disse...

sempre que eu preciso ler criatividade me encontro aqui .


e trate de arranjar tempo ao menos pra um e-mail.