segunda-feira, abril 09, 2012

perdas.

Tirou os sapatos antes de entrar, limpou a mesa, arrumou a mala. Guardou o que era seu, inclusive os segredos. Não teria mais uma vida compartilhada e só depois de tanta coisa sendo rompida gradativamente percebera isso. Foi preciso que ele lhe contasse para que fosse verdade, como quando sua mãe lhe contava histórias e de repente elas existiam. Se ele disse, então não podia ser mentira. Ele não era de mentir, e se nos olhos dele não havia mais o que colher, o que resgatar, era porque, enfim, haveria um fim. A dor de admitir sua perda já lhe tirara a fome, a alegria, o brilho dos cabelos e o canto das unhas. Os dias sem sua presença lhe tiraram o ânimo, a beleza e um pouco da sinceridade. Mentia todos os dias dizendo "tudo bem, e você?"aos semi-desconhecidos que andavam por ai, tão irrelevantes quanto figurantes de seriado zumbi. Ele lhe tirara um pouco da auto-estima, da vaidade: por um tempo, achou que só fazia sentido se por bonita se ele a visse, mas ele nem a olharia mais. Então, acontece - a gente cansa de perder. Tirado tudo dela que ela tinha, ele devolveu, e tirou de novo, como se num ato de tortura ela pudesse saber o quanto é bom ser mais de um, o quanto faz mais sentido ser dois. Mas essa certeza também lhe foi tirada. Tirou a roupa, enfim, a maquiagem e, com o sono furtado, foi deitar. Hoje, não lhe tiraria  nada,além da única coisa que de fato ela perdeu: ele.

Um comentário:

vinicius disse...

acho que foi um dos primeiros proseados narrativos que li por aqui, por assim dizer...
da vontade de ler mais.

depressivo como os últimos posts de lá pra cá...