quinta-feira, dezembro 29, 2011

éramos, nós, estreitos nós, enquanto tu és laço frouxo: tira as mãos de mim...

Todo laço é um nó, a bem da verdade. Pena que ninguém percebe. Laço ou nó ela me pergunta quando peço para amarrar o meu biquíni. Laço, eu preferia sempre, é a estética do facilmente resolvível que me comove. Tem coisa melhor que ter um problema cuja solução pisca ao horizonte?Porque soltar o biquíni sempre soa como solução. No fundo, eu gosto muito da dor quando eu sei que ela vai passar em breve. Mas a certeza é sempre altamente falsa, afinal, como eu sou boba, se o laço em sua essência é nó, pode facilmente se desprender e voltar as tão aclamadas origens de nó, basta que eu escolha o lado errado pra puxar. E adivinha? eu sempre puxo. E depois, só com a boca o problema se resolve. Cravados os dentes, eu consigo me soltar. Cravados os dentes e as unhas, se o nó for de marinheiro, eu ainda consigo me soltar. Pena que eu não quero. Em algumas amarras eu prefiro me prender, e faço de conta que o lacinho de cetim que me prende é uma algema sem chave. Assim eu espero a dor, que passará em breve (não antes de percorrer meu corpo inteiro) e desenhará um laço na minha boca, que eu chamo de sorriso.

põe as mãos em mim...

quarta-feira, dezembro 28, 2011

e livrai-nos do Djavan, amém.

Não que eu tenha algo contra o senhor Djavan, acho os dreads dele uma graça, na verdade. O que me cansa, a ponto de me dar gastura, é o aspecto Djavan que os lugares, as pessoas e até as comidas adquirem. Explico: todo barzinho que toca Djavan - e vocês sabem que são maioria - o negócio parece que vai impregnar. Olhe para o lado, o casal que pediu uma porção de batatas fritas (chopp pra ele, caipisakê de kiwi pra ela) não se olha, não se deseja, na verdade, eles nem queriam estar ali, mas assim, com o Djavan tocando ao fundo, suportam melhor a companhia um do outro. Eu levo a sério, mas você disfarça ela canta enquanto balança os ombros e olha pro namorado da moça ao lado e diz: "precisa beijar desse jeito em público?", mas queria, ai como ela queria, que a mão do moço alheio (e desejar isso é pecado) tivesse na coxa dela. Se você se esticar um pouco o corpo para aliviar o peso da borda recheada de cheddar que acabou de comer vai notar que o tio mala da grande família reunida na mesma à esquerda já abriu o botão da calça e canta, como se fosse um poema concreto, aquele velho refrão sem sentido
Pai e Mãe
Ouro de mina.
Coração, desejo, sina. 
Ele não percebe que não faz o mínimo sentido o que ele acabou de cantar. Ele percebe menos ainda que a cueca esfolada fica ridícula exibida assim, por entre uma camisa velha e um botão escancarado. 
Se nessa altura do campeonato você tivesse perdido a fome, ela voltaria com o cheiro de alho queimado que a porção de contra-filé da mesa pediu: confraternização da empresa, o típico momento Djavan. O chefe, bom homem, já espiou doze vezes o decote da secretária enquanto mandava por sms pra namoradinha adolescente do mackenzie que amar é um deserto e seus temores. No fundo, esse velho e tão pouco sábio homem não percebeu que ela insiste em zero a zero enquanto ele ainda espera o um a um
Cada um, cada um, sei lá o que te dá que não quer meu calor. Essa é minha parte predileta, que o colega mala vai fazer bullying com a sócia baranga e cantar sorrindo para o peguete dela: São Jorge por favor me empresta o dragão. Ela ri, e pra mostrar que é uma baranguinha nerd e descolada, clama aos quatro ventos "gente, essa parte não faz sentido, braille é uma língua não tem japonês em braille". Boa, baranguinha descolada, a gente sabe que é muito mais legal saber língua que ter peito, pena que só a gente sabe. Djavan é mais morno que chuveiro no 3, mais sem graça que a top model magrela na passarela da pior música do zeca baleiro.
Levante-se, pessoa cansada de Djavan. Levante-se e pague a conta, e eu vou te perdoar se por um acaso seus pés marcarem o compasso da música. Acontece, são os sinais, e a pizza que te confundem da cabeça aos pés, mas por dentro eu te devoro.  Devora quem, Seu Djavan? Gente morna assim não devora, no máximo degusta. E que gente chata é essa que petisca ao invés de comer com vontade, né? Tudo bem, vou parar de reclamar dos seus versos sem sentido, principalmente daquele que diz teu olhar não me diz exato quem tu és porque diz sim, e mais que o meu olhar, ah, seu Djavan, meu gosto musical diz muita coisa...

sexta-feira, dezembro 09, 2011

re-e-dito

Aquela ali sentada sou eu. Dobro as pernas daquele jeito porque me parece confortável, mas as mãos inquietas são a denúncia clara de que eu não estou confortável. Vocês podem claramente perceber que eu estou ansiosa, espero alguma coisa e não suporto essa espera, até porque, como vocês podem ver, o chão no qual estou sentada está bem sujo e me incomoda bastante sujar meu vestido novo, aquele que eu coloquei para dizer que, na verdade, eu não espero mais nada. Eu vou mudar a história, então. Vou embora depois do banho, porque eu faço questão que o cheiro do perfume faça escala entre nós, e arranje morada no nariz dele. É só pra torturar, mesmo, um pouco de vingança na narrativa cor-de-rosa. Ali, sentada, eu me pergunto se não estou sendo sempre injusta, mas a perfeição dele é que dizima com a minha compaixão. Como vocês podem ver, eu ainda seguro nas mãos um livro novo que conta uma nova história, sobre novos lugares. A nova história, entretanto, tem antigos personagens e eu não duvidaria se dissessem que eu apareço ali, só como tradutora de um enredo já contado. Que pena que eu tenho de mim. Minha edição especial trouxe em letras garrafais outro sobrenome, que vai fazê-lo de personagem. Eu me contento, eu juro, em traduzir, se ele quiser eu digo simultaneametnte as palavras da verdadeira autora e repito quantas vezes lhe aprouver. Se ela vai comandar a história, eu prefiro brincar de fábula, e virar uma coruja escondida em algum enredo de sabedoria. Amor não, literatura. Amor não: literatura! Eu só não posso chegar até o final, minha edição é limitada, e meu tempo é curto demais...Vou voltar para um poema concreto, agora.

quarta-feira, novembro 30, 2011

pimenta

Lia, ainda há pouco, com o livro em seu colo enquanto comia um croissant bem duro, quase amanhecido, mas que cabia bem na fome do momento. O sabor que não existia era preenchido pelo molho de pimenta aguado que ela distribuia generosamente sobre o (não) recheio daquele croissant; sabia que ia dar errado e não estranhou quando num descuido de equilibrio (e descuidado havia sido deus que a criara meio torta) pingou uma gota de pimenta no seu livro, tão novinho. Seu primeiro impulso foi passar o dedo por cima, mas deteve-se antes de tocar a folha: espalhar a pimenta seria, então, a solução mais inteligente? Largou o croissant e elevou o livro até altura do nariz.Cheirou a pimenta. Que cheiro bom tem molho de pimenta misturado com literatura. Pensou em lamber o livro, mas tinha gente demais em volta e ninguém ia entender, ou iam e aí podia ser bem pior. Não lambeu, e começou a perceber que o circulo vermelho ia ficando com uma consistência cada vez menos líquida, e que a cor, antes de um vermelho vivo, ia tomando tons de alaranjado, que combinava com o pôr-do-sol tímido que começava a dar as caras. Se fechasse o livro, teria uma belíssima imagem, tipo aquelas borboletas que fazia com um monte de tinta na folha de sulfite dobrada em dois. Tinha perdido tanto tempo e tanta distração que a hora de ir já gritava por ela e a fome se escondera no meio daquelas páginas todas. Como num ato de coragem, passou o dedo sobre a pimenta, tentando espalhar o mínimo possível e antes que a rapidez do olhar de alguém lhe alcançasse, enfiou o dedo da boca. Que delícia que era pimenta com palavra, gostava tanto das duas e nunca tinha pensado na mistura. Passado o gosto, resolveu olhar o caminho que o desenho de pimenta fizera na página; poderia significar um milhão de coisas, ainda mais para alguém que se entrete tanto com apenas uma gota de pimenta, mas não. Acabou só  significando uma mancha amarelada (e de amarelo ela não gostava) indicando que algum dedo (e depois, confessa, uma língua) havia passado por ali...

quarta-feira, novembro 23, 2011

Dezessete noites - ela contou - há exatas dezessete noites não se emociona mais, nem desmancha a boca em sorriso quando ouve aquela combinação de notas que anunciavam suas iniciais. Há dezessete noites divide sua cama com outros sonhos, que não os seus; outros desejos, não os dela. Há dezessete noites prefere não acordar com um sorriso, nem dormir misturando aquele tanto de lágrima com mais um tanto de desespero. Há dezessete noites conta os dias que parou de contar e acha muito mais gentil e tranquilo o coração vazio, até um pouco empoeirado desde que você foi embora. Resolveu, há dezessete dias e dezessete noites, que não lhe escreveria. Você ri porque sabe que essa decisão não foi levada a cabo (e nunca poderia ser), mas no fundo, naquele fundo perdido e surrado, você também sabe que as palavras ficaram vazias - e só assim poderiam ser - as palavras acabam inevitavelmente escritas, mas vazias, porque você não a emociona mais.

domingo, novembro 06, 2011

tava ali deitada vendo um programa de super-heróis. A musiquinha do Batman sempre a arrepiou inteira e se pudesse materializar alguém  (perdoa ela, Shiryu?) seria ele, definitivamente. Depois da citação do Brecht, da questão psicológica e de toda discussão acerca da aura do herói, a única coisa que podia pensar é que o seu herói predileto não a salvaria de nada, pelo contrário. Acho que ela gosta mesmo é do herói atormentado e politicamente incorreto que o Batman sempre foi, pra terminar de foder com com qualquer sobra de sanidade que ainda tivesse. Ela fica tentando, de um jeito quase ridículo de tão sistemático, entender como é possível  pensar tanto em coisas improváveis e ter prazer com seu próprio desespero. Ainda que odiasse ser ansiosa, alimentava a ansiedade como quem engorda um animal para o abate: quando chegasse a hora, lembraria das facas dele e cortaria pedaço por pedaço essa ansiedade e que ela sangrasse o desejo e cozinhasse em fogo brando até o momento em que fosse recolhido em um prato e servido, ainda fervendo, pra si própria. Sacode a cabeça tentando lembrar em que momento esqueceu do Batman e pensou em facas, já que essas nunca foram as suas armas prediletas. Lembrou de imediato o que ligava os dois fatos, pensou nas mãos, no perdido beijo no colo e dormiu, com um sorriso (joker as can be) no rosto.

quinta-feira, novembro 03, 2011

Acho graça quando você me acha especial. Garota classe média, né, tão diferente e tão igual a maioria. Você gosta das minhas tatuagens, mas não nega que aquela, ali no ombro, sempre fica um pouco clichê. Pior só uma frase em Latim. Tão típico da garota de humanas de universidade pública, né. Essa que protesta contra a PM na usp e gasta metade do salário lá na Arezzo (justo a Arezzo, caralho!). Você acha muito firmeza que eu bebo bem mais que você, mas no fundo seu sonho era que eu pedisse uma "Sakerita de morango, bem levinha, tá?" enquanto você, e não eu, se acabaria no chopp. Você diz que não curte mulher magrela e que eu fico linda com as minhas curvas, mas ah, uns 5 kg a menos me deixariam ideal, não é não? Ontem você disse que adora meu batom vermelho, que me deixa sexy e imponente, mas eu me lembro de te ouvir dizer que aquela rosa claro combina mais com a minha pele. Com a minha pele ou com a sua moral? Eu não lembro. Eu mesma às vezes não tenho certeza. Quantas vezes você suspirou pelo meu cabelo cacheado e quantas outras vezes  você não quis me contar, mas poxa, uma chapinha me caia tão bem! No fundo você sabe que quando eu vou toda animada e fitness pra academia eu, na verdade, trocaria cada minuto naquela esteira por uma cirurgia que diminuisse a minha bunda. E aquele sorriso fazendo bíceps é só brincadeira, ou devaneio. Tava pensando na janta que eu faria: puxa, como te agrada esse meu lado retrô, cozinheira e boa moça, a professorinha de português. Especialmente quando eu uso o avental com meu vestido curto e você não consegue diferenciar o que, de fato, tapa as minhas pernas, que - a gente sempre soube - você preferia que fossem menos à mostra. Tem dias que você prefere meu lado garota bem sucedida, a estudante de crítica literária, aquela ali, com um blog muito interessante sobre sexualidade. Que você não vai divulgar pros seus amigos, afinal, você não quer ver minha foto de lingerie passeando por ai, oras! Tô cansada de você, bom senso. E de você, decência... Agora eu escuto a música do Chico, droga, por mais que eu discuta as políticas, sempre foram as românticas que me puxaram quase pra dentro da voz rouca dele. Voz rouca, você sabe que eu me desfaria dos meus livros prediletos pra ter uma voz menos rouca, mais aveludada... Mas eu não ia poder dizer que tenho voz tele-sexo, e perderia as piadas de travesti. Você ri da minha cara porque eu me divido entre esse jeito muito prático de mandar as coisas acontecerem e aquele quase infantil de levantar os olhos e pedir, quase implorando, pra você apagar luz. É que às vezes, sabe, eu não quero ver, que no fundo, bem no fundo, eu sou exatamente aquilo que eu planejava ser. 

quarta-feira, outubro 26, 2011

sapo


Lembro que aos 13 anos tinha certeza que o homem da minha vida seria aquele que soubesse com extrema precisão a resposta perfeita para a pergunta que explicaria o mundo: você prefere nescau ou toddy? Se com segurança ele me respondesse "pronto, nescauzinho! Se for quente, nescau também. Se for frio, aí toddy. Jamais Muky ou Chocolate do Padre!" eu saberia, então, que estava diante do pai dos meus filhos e do homem que saberia que o meu nescau não pode ficar mais de 1 minuto no microondas - sempre sem açúcar. A vida me ensinaria, a trancos e barrancos, que um homem ideal pode ter intolerância a lactose, e que, às vezes, o nescau facilmente se transforma em flatulência. Ok, idealismo, você fica para lá. Aos 15, meu príncipe não viria em um cavalo branco, mas na sua harley edição comemorativa, vestindo um colete dos ABUTRES enquanto ecoaria ao vento Born To Be Wild, no mesmo momento, a minha saia de pregas xadrez e meu coturno caminhariam firmes em sua direção. Os ABUTRES, no entanto, restringiam seus integrantes a pessoas pelo menos com o triplo da minha idade e que não ficavam tão bem assim de roupa de couro, dada a saliência frontal. - típica da idade e impossível de esconder. Desisti de encontrar o homem perfeito até entrar na faculdade: aos 17 anos, tinha certeza que o homem da minha vida viria com os cabelos e barbas longas falar de marxismo pra mim; aos 18, preferia um neomarxista e especialista em Teoria Crítica, que olharia minha tatuagem e: "PUXA! ADORNO, KANT, HORÁCIO". Seríamos feitos um para o outro. Dispensei os cabelos longos e tudo bem se ele não soubesse a entonação certa de sapere em Latim: a melhor amiga daria conta do recado. Aos 19, queria um italiano que fosse judeu, não encontrei nenhum por aí, mas me contentava com os só italianos e só judeus. Que nunca eram suficientes, pois sempre faltava algo (especialmente no caso dos judeus). Quando completei 20 anos, desisti de encontrar o homem perfeito, porque acabei trombando por um quase perfeito, quase sem querer, e quase sem trombar. Tinha inúmeros defeitos, não tinha tanto cabelo (da barba jamais abri mão!) e uma bicicleta ao invés de harley. Mas de algum jeito tudo dava certo. Até quando não deu mais. Engraçado que nesse dia ele ficou menos quase e mais perfeito. E, hoje,  aos 22 anos e alguns meses, descobri que ainda bem que não existe homem perfeito, senão eu perderia metade das piadas, dois blogs e muita conversa na porta da cozinha. Perderia a risada conjunta,   e aquela graça infinita que é simplesmente não se apaixonar por ninguém e gostar de todo mundo, ao mesmo tempo e bem imperfeitamente.

segunda-feira, outubro 17, 2011

tantas outras coisas.

Olho, ainda enquanto trabalho, para a nossa foto ali no quadro. Eu poderia pensar em tantas outras coisas, umas tristes, outras não; mas só uma me vem à cabeça ainda: eu sei o que é um homem de verdade. Hoje, não quero saber porque não estamos mais juntos, nem quero sofrer por esse tipo de detalhe que a vida insiste em criar, a felicidade dessa noite é notar o quanto eu soube o que é ser bem tratada. Talvez por isso seja tão difícil olhar para as pessoas e achar gentileza nelas. Sou dessa massa de pessoas que ainda não começou a economizar sorrisos, nem convites. Eu ainda quero a companhia do mundo e se essa companhia vir sorrindo, ótimo. É triste ver que as pessoas não merecem o nosso convite: nem para tomar uma cerveja, nem para entrar na nossa vida (convite esse que já vem embutido lá, naquele sorriso, que eu acho avareza demais economizar). 
Mas que mundo mais desconfiado que tem medo do sorriso, do abraço e do convite. Ainda hoje fico abismada com o medo que o compromisso causa nas pessoas, essas mesmas pessoas que mal percebem o quanto são compromissadas com a própria insegurança, com o próprio medo de assumirem que não são, de fato, aquilo que a pessoa que lhes convida imagina (ou quer imaginar, que de sonho e ilusão é que são feitas a maioria das relações). 
Esqueço por um instante do homem de verdade e olho para o lado, olho para as mulheres que, de uma maneira ou de outra, fazem parte da minha vida. Quanta mulher incrível eu conheço e quanta dor elas carregam. Acho que só uma mulher é mesmo capaz de sofrer tanto assim, por nada. Não que sejamos bobas (mas somos um pouco), mas porque é de nossa natureza esperar. Nosso lado penélope fia e espera amor, fia e espera saudade, fia e espera respeito, vai ver porque a gente sempre tem, ainda que torto e mal feito, um lado muito delicado, quase botânico: e vencidos os espinhos, a gente quebra fácil. Mas com água e um pouco de luz, a gente sempre reanima e se porta forte, cheirosa, receptiva. Queria pegar essas dores e transformar tudo em óculos mágico que mostrasse, na realidade, o muito pouco que elas perdem...
Quanta dor eu ainda vejo por detalhes tão pequenos, por pessoas tão ruins, por gente que ainda não aprendeu a relação lógica entre gentileza e humanidade. Todo mundo deveria saber como é ser bem tratado, e, mesmo que entre grosserias e maldades, eu vou levantar sempre a bandeira do mimo e do carinho. Não que eu queira de troco o compromisso, mas eu vou esperar sentada a gentileza, em cada relação que eu criar. Vou oferecer mais um gole, vou chamar para mais uma cerveja, vou dizer, aos quatro ventos, o quanto eu quero que essas mulheres se libertem dessa dor e que não economizem batons nas golas do carinho, nem perfume no colo do respeito, e que venham, despudoradas, chorarem ao ombro daquela pessoa que não precisa mais mentir para parecer sincera. E sabe o que mais que eu ia dizer? Que a nossa foto, assim sorrindo, ainda é linda.

quarta-feira, outubro 12, 2011

sapato novo

Olhava para o sapato novo buscando um bom motivo, naquele sapato que ainda machucava seus dedos, para estar assim triste, assim feia. Estava convencida que beleza era questão de estado de espírito, e sabia que as suas olheiras denunciariam se a noite tinha sido molhada por álcool ou por lágrimas.  Forçava sorrir, mas nem sempre saia aquele sorriso cheio de dentes. O sorriso meio forçado podia ser facilmente confundido com uma radiografia para o dentista, que criticaria sua mordida. Ela nem ligava, os dentes sempre fizeram bem a sua função e não deixaram qualquer pedaço de carne inteiro, ou pescoço abandonado. Que pena, não era a tristeza que lhe perturbava - se fosse, a certeza de morrer de dor e de amores tiraria do peito o desespero do marasmo. Era um pouco de apatia, de coração vazio. Há muito tempo não se acostumara a sentir o nada. E que coisa sem graça é sentir coisa alguma. Tinha sono, que droga. Deu-lhe saudade da insônia, da dificuldade de dividir seu espaço, da ansiedade do dia seguinte. Não ia acontecer nada no dia seguinte, tudo bem. Tinha bons livros, tinha bons amigos, tinha a sua cerveja. Em algum momento isso tudo junto voltaria a ser furor - que não demorasse, há muito tinha aprendido que sem nós, nenhum eu se diverte.

sábado, outubro 01, 2011

Fecho três vezes os olhos como em um ritual quando quero desviar o pensamento de alguma coisa. As letras horríveis nas folhas marcadas de vermelho me confundem, e o risco que às vezes sai do controle na lateral daquela folha me lembra o seu braço, quase sangrando. Que sorte a dessas pessoas que conseguem manter-se alheias aos prazeres efêmeros. Eu não. Meu sorriso ainda se sustenta por horas depois daqueles dois segundos que sintetizam quase a vida inteira: comer com os olhos sempre foi meu prato predileto. Sinto uma fome quase insuportável, mas fico em dúvida constante de que parte do meu corpo ela vem. A salivação é a mesma. E do mesmo jeito eu tremo, eu me contorço e faço da minha boca caminho direto. Eu sacudo a cabeça, aperto as minhas próprias pernas, respiro fundo.  Fecho três vezes os olhos. Não leva mais do que alguns segundos para eu retomar a concentração, empunhar com força a caneta vermelha e continuar rabiscando, pontuando e exigindo. 

quarta-feira, setembro 21, 2011

normativa

Não é porque você desvia o olhar no meio da minha explicação e sabe o quanto isso me desconcentra. Antes fosse. Lido bem com improvisações, você sabe. Nunca precisei de texto decorado para saber o que dizer. E eu sempre acerto, né? Nesses casos, quando peco, é inevitavelmente pelo excesso: minha matéria é verborrágica e eu gravo o seu sorriso de prazer quando percebe que eu me dei conta que tô repetindo o mesmo exemplo, a mesma frase. Você é linda, dessas de beleza angelical, quase desenhada: o que eu fico pensando é que engenheiro maldoso e genial construiu essa ruga expressiva (mesmo você sendo tão jovem) que dosa um pouco de gravidade no seu rosto de pura porcelana. Ainda que os seus olhos azuis sejam hábeis o suficiente para percorrerem o meu corpo no tempo de uma conjugação verbal, são as suas mãos que me tiram do sério: não que elas me toquem, não que eu as use como se fossem minhas, mas exclusivamente por elas desenharem no ar, enquanto você faz alguma pergunta, uma espécie de código morse: todos os caminhos me levam pra você. Ok, eu respiro fundo mais uma vez e me convenço de que é tudo ilusão, um pouco mais de literatura nessa minha vida feita em longos e impossíveis parágrafos, mas a verdade é que você, justo você que tinha tudo para ser mais um adjunto, é o sujeito, por quem agora eu suspiro.

domingo, setembro 11, 2011

A reflexão interiorana.

Hoje eu pensei naquela estrada tão repetitiva, mas que coisa, né... Nosso amor foi como uma plantação de cana. Veio, devastou tudo que tinha e se fez presente. E igualzinho plantação de cana, uma hora tudo acabou, e o amor virou um pouco de açúcar e muito álcool. E tal qual plantador, eu deveria queimar o resto, para permitir que uma nova plantação começasse. Acontece que eu não gosto da fumaça...
Meu coração deu dois pulos de alegria com essa piada, e eu ri sozinha, fazendo carinho no vidro da janela.

segunda-feira, agosto 29, 2011

"Ainda bem que eu nunca cheirei", pensou ela enquanto acendia um cigarro, comia um doce e ouvia a mesma música nova do chico. Ainda bem que eu nunca cheirei. Sabia ser dessas pessoas compulsivas e fora o regime e a asma, viveria bem com todos os seus vícios. Com quase todos, aquela dor lhe lembrava. Que delícia que ele era. Que ele foi. É, professora, que dificuldade em conjugar verbos quando se trata muito mais de tato que de papo. Ainda bem que eu nunca cheirei. Morreu de rir de si mesma lembrando que o cheiro dele tinha um que de droga, como tudo naquele menino. Foram anos demais de vício, e o rehab agora era difícil: tentou por doses homeopáticas, mas sempre foi dessa espécie de gente com quem o meio termo não funciona. Ou tudo, ou nada, e sempre acaba com nada, maldizendo essa mania estúpida de preferir aguentar a dor até o fim ao invés de amaciá-la. Enquanto tivesse álcool, amigos, Eu sei que vou te amar e aquela música do Led Zeppellin, ia preferir a dor que, em algum momento, viraria saudade. Não se morre de saudade, mas os vícios corrompem. No manual antidrogas do colégio, ela aprendeu que a maconha levaria ao crack, que era morte certa. Não era verdade, tudo bem, mas talvez funcionasse com outros vícios. Ela lembrou de você, sabe como é: os olhos, a boca, a barriga. Achava graça no próprio choro quando lembrava  do seu corpo. Ok, manual antidrogas, você venceu: a mão dele levou à boca, que levou às pernas, à virilha: tudo em combo, quase pior que ópio. Em abstinência, ela tremia, suava, chorava baixo e mordia o lábio. Saciada de você, ela fazia exatamente o mesmo! Você não vai esquecer do jeito meio convulsionado que ela sempre tirou sua roupa, sempre com pressa, sempre com sede. A certeza de que disso você não vai esquecer ainda a consola, enquanto ela enche o seu copo e o dela, para beber os dois.

segunda-feira, agosto 22, 2011

A gente não distingue tristeza de dor quando o choro não sai, fica que nem faca machucando aquela região entre os olhos. Mas as lágrimas não vem. Vem o soluço, a tremedeira, a taquicardia, porém nada de lágrimas. Que porra, às vezes eu queria gozar lágrimas, sabe. Quem sabe assim seria mais fácil provocá-las e jorrá-las, quem sabe assim doía menos guardá-las nessa região maldita entre os olhos, logo abaixo do meu cérebro cansado e acima dos meus olhos secos. Eu tô fodida com o mundo, ofendida com a cara de pau. Vem cá, minha gente filha de uma puta, venham todos e justifiquem essa vontade imensa de transformar em palavrão as lágrimas que vocês levaram de mim. Meu choro vai que nem cachorrinho ao lado dessa sua vagabundice. Não, eu não choro mais diante de tanta sujeira. Conforme sua dignidade se esvai, minha emoção mingua, e quando eu me tornar um nada cansado dessa sujeira toda eu vou virar pó, desses que fazem espirrar e catarrar os alérgicos. Quando essa merda de mundo acabar comigo e com a minha paciência, ai que bom que vai ser meu deus, porque eu vou ser pó, seco, totalmente sem lágrima. Mas igualmente sem dor nessa região tão importante pra mim: no meio do olho, como dói, justo donde ele às vezes me beijava. Então, gente ruim, quando eu virar pó - meu último pedido - vê se me varre, que eu não quero ser mais uma sujeira nessa sala emporcalhada.

segunda-feira, agosto 08, 2011

Portuguesa

Odeio pizza sabor portuguesa, acho que não combina botar ovo e presunto em pizza. Nunca pedimos pizza de portuguesa - mesmo sendo o seu sabor predileto - porque eu odiava. Desde que você foi pra longe (não de mim, mas de nós como um só) não vejo mais graça em pedir comidas. Mesmo que tenha sido eu quem escolhi todos os sabores de tudo que comemos, eu tinha você pra legitimar minha escolha com um sorriso e um "tanto faz pra mim". E tanto fazia, mesmo, eu sei. Mas talvez se alguma vez você tivesse sido menos tanto faz...

Hoje comi pizza de portuguesa, fui coagida por uma mesa inteira. É claro que eu podia ter comido só os pedaços que me cabiam da outra metade do sabor que eu mesma escolhera, mas eu quis comer pizza sabor portuguesa. Por quê? Porque não é tanto faz pra mim, nunca foi. Não, a pizza não tava gostosa e a ervilha tinha gosto de saudade, mas eu comi e por um segundo era como se eu estivesse comendo o que ainda tem de você em mim. Engoli com cerveja, para ver se descia mais fácil.

O garçom perguntou se eu queria mais e a verdade é quem nem para isso eu tinha resposta. Ele desistiu de mim porque eu pensei muito. E por pensar demais que normalmente as pessoas desistem, não é mesmo? 
Que triste, eu pensei. Quem sabe um dia seja tanto faz.

domingo, julho 31, 2011


Meet me in Montauk. Pensei nesse filme o dia inteiro, era como se eu soubesse que a gente começava a se perder. Lembro dele como um consolo para essa minha dor insuportável: a gente não pode se esquecer. Há algum lugar nesse mundo horrível em que a gente se reencontra. Finalmente calmo, finalmente bem...e eu vou contar os minutos na minha coruja nova para esse dia chegar. E que chegue leve, sem tantos ferimentos espalhados por ai. Você custou a entrar na minha vida, e eu fui vivendo você em etapas: imagem, voz, corpo e alma. Eu tive paciência, meses a fio. Terei de novo, por mais quantos meses vier. Não que eu tenha uma vontade doida de pedir que você fique, mas, hoje, bem melhor do que aquela que eu era antes de você, eu sei que você precisa ir...

sexta-feira, julho 29, 2011

O tempo passa rápido demais pra todo mundo, mas eu estou certa e garanto que essa velocidade é pior pra mim. Eu acho que eu vivo em velocidade oscilante e que o mundo nunca vai acompanhar. Os paulistanos correm demais no metrô, me incomoda, mas não mais do que a demora da maioria das pessoas em entender um diálogo simples. Cada um tem seu tempo e velocidade é grandeza relativa pra mim, se eu algum dia entendesse física ou se ainda conseguisse paquerar físicos, eu diria a fórmula aqui, de maneira metafórica, só para corroborar meu argumento murcho e essas palavras que fazem pouco sentido pra vocês.
Dou-me com o tempo de maneira única e singular. Que bom, mas que pena. O moço que eu conheci e gostei há anos virou outro, mas ele vive no meu tempo, todo diferente. Prefiro acreditar que o quanto perdi de cabelo nesses anos todos (não só eu, mas todos as minhas jovens paixões também) tenha virado poesia em algum canto: menos fios, mais palavras. No meu mundo de velocidade relativa, meu pai sempre é o mais forte e a minha mãe é a mais linda, ambos com eternos 35 anos, enquanto eu, mais alta que eles, ainda acredito que vão me segurar pelas mãos e pular comigo a cada esquina. Mas eles não me aguentam mais. O tempo, coitado, não me aguenta mais. É claro que os meus fios brancos ainda são charme na minha juventude, mas é que tudo corre tanto e eu sempre fui aquela que preferia não correr, ia com calma, sempre sorrindo. Enquanto minha cabeça não se aguenta quieta, meu corpo para, retarda, prefere sentir cada segundo sendo marcado na pele. Talvez seja esse meu eterno paradoxo e a minha dor que nunca vai passar: o tempo se esvai, mais lento do que eu consigo conceber e muito mais rápido do que eu posso acompanhar. 

terça-feira, julho 26, 2011

Acabou o cd, e ela saiu em busca de outro desesperadamente, antes que desse tempo de ouvir sua própria loucura. Vozes bonitas alheias sempre escamoteiam a verdadeira voz, aquela que vem da dor. Se não dói, não vem o grito, tinha dito um amigo. E é preciso gritar, ela sabia, mas preferia acreditar no silêncio; não no dela, já que havia perdido o controle sobre o que dizia já há muito tempo. Quem sempre falou foi a sua loucura, tão sádica, tão masoquista, tão charmosa; o que elas tinham de mais bonito era que se odiavam e não podiam conviver em paz. Preferia acreditar no silêncio e antes que desmanchasse o sorriso em grito, parou.
Respirou fundo, desabotoou a camisa nova até a altura do soutien. Estalou o pescoço para um lado, estalou para outro, deu um suspiro de saudade e outro de tesão. Passou o batom que combinava perfeitamente com a pele dele, último recanto do vermelho e sorriu. Do espelho, a loucura sorria de volta, ela sabia quando ganhava uma discussão e era do tipo gentil, não saia por aí cantando vitória, reservava suas vinganças diárias para momentos pontuais: tapas, arranhões, gritos, mordidas. Ai era a loucura que falava, ai só essa voz se ouvia. Olhou para  baixo, da altura do salto que usava se caísse perderia a consciência. Riu para si mesma: que consciência?

quinta-feira, julho 21, 2011

Sentir saudade de uma coisa que não volta, pelo menos não agora, beira o insuportável. Hoje, eu sou mais calma, hoje eu consigo entender que a saudade não tem cura quando o amor é grande demais. Ainda prefiro evitar todas as coisas que me lembram você, dói menos, ainda que seja completamente covarde.Talvez você tenha sido pra mim a forma mais pura de saudade, porque é a forma mais pura de amor e de respeito. Mas esses dias eu ando me sentindo tão pouco pura, sabe? Acho que de onde você me olha, você consegue ver o vulcão que ferve dentro de mim, dia a dia. Eu tenho uma memória ótima para números, mas não consigo me lembrar, de maneira alguma, de quem eu era. Você se lembra? Meus amigos sempre me dizem que eu fui diferente. Uns gostam como eu era antes, outros preferem agora. Parei de usar o batom vermelho por uns tempos, dizem que tá na moda. Mas não muda o vermelho que tá por dentro, que me inunda, me pinta. Ouvi dizer que crise é mudança de realidade, que é importante, e que nunca se supera. Crises não são superáveis, aceita-se a mudança e convive-se, bem ou mal, com ela. A minha realidade é outra e eu não posso resgatar o que eu fui, nem com fotos, nem com festas, nem com falsos momentos. Mas eu continuo tentando. Todo dia eu mudo um pouco, às vezes parece que estão me tirando o oxigênio gradativamente e quando eu acho que vou morrer sufocada, eu surpreendo, a mim e a todos, e continuo respirando com o mínimo que eu tenho. É isso, eu fico me contentando com um pouco de ar, sem perceber que eu não preciso de um balão de oxigênio novo, eu preciso mesmo é voltar pra superfície e respirar o tempo que eu achar necessário, morrendo de saudade das minhas roupas velhas, dos meus velhos amigos, do meu antigo fígado, bem mais resistente: mas não de mim. Comigo eu quero continuar. O resto da vida.

terça-feira, julho 19, 2011

Eu que já não quero mais ser um vencedor...

Poucas coisas não me irritam, mas aprendi a lidar com isso, de uma maneira ou de outra. Eu consigo, efetivamente, lidar com as coisas irritantes, o que eu não consigo é fazer com que elas não percebam minha cara de tédio. Mas em relação as coisas irritantes, algumas em especial atingem regiões minhas onde o ódio se aconchega e, quando despertado, tende a se rebelar. Não que eu não seja uma pessoa calma na maior parte do tempo. Calma e egocêntrica, nem quando quero falar de coisas que me incomodam consigo parar de falar de mim. Talvez eu me incomode a mim mesma, mas tem coisas irreparáveis nessa vida.
Voltando pela terceira e última vez às coisas que irritam, tenho sérios problemas com burocracia, dinâmica em grupo e palestras de incentivo e auto-ajuda. Pior é quando a burocracia me impõe uma dinâmica em grupo com palestra de incentivo e auto-ajuda. É triste porque a burocracia tem poder e ele me sucumbe. Respirei, participando com a menor cara de tédio possível, assisti a tal palestra. "10 passos para ser um vencedor": vencer a quem ou quê?; vencer pra quê?, quem disse que eu quero vencer alguma coisa?" foram as três perguntas que eu me fiz quando vi o que seria obrigada a assistir. Continuei quieta, afinal, essa coisa de contestar não deve ser atitude de um vencedor.
Descobri, nessa palestra, que eu nunca serei uma vencedora. Não combina comigo, de qualquer maneira. As lágrimas, o whisky e o batom borrado da derrota fazem mais meu tipo, eu sempre soube. A questão é que eu tenho muita sorte e quanto mais eu erro, mais as coisas dão certo pra mim.
E eu voltei a falar de mim. Todo mundo busca se conhecer, se entender. Essa sou eu: o resultado dos meus erros que sempre coincidem com as minhas escolhas. Eu só erro, mundo. Desculpem todos os espinhos, é que tanta preguiça eu tenho de pensar em mim, em mudar. Então eu lembro de novo de um dos 10 passos: seja uma pessoa intensa para ser vencedora. Erro, erro, erro. Pobre palestrante que ganha litros de dinheiro para não saber o que está falando. Desde que eu me conheço por gente meus maiores erros tinham sempre uma causa em comum: a intensidade. Quantos pessoas ainda vão me lembrar disso? Quantas pessoas eu ainda vou machucar por ser assim? Quantas vezes eu vou me machucar tentando me segurar e explodindo logo em seguida? E eu não vou vencer assim, nem quero. Coisa chata essa de vencer: o dia de comemoração é um só, enquanto na derrota eu posso curtir meu lado perdedor, regada a uma boa bebida, todos os dias.



segunda-feira, junho 20, 2011

de mim

Eu ando com saudade de mim e dói de uma maneira permanente e contida: não sinto que vou explodir, não, mas essa saudade nunca passa. Goteja, igualzinha a torneira da cozinha: e eu sempre acho que só pra me irritar. Não que essa que eu sou hoje não seja exatamente aquela que eu planejei ser. Chegamos no ponto que eu nunca quis chegar: adoro ser tal qual eu sou e fazer da maneira com que faço e é isso que me irrita. Lembrei-me daquele desenho que ficava no quarto bagunçado da antiga república, que dizia, em espanhol: Cuidado com que desejas, que o universo te concede. Que delícia: não nego que há pelo menos quatro anos consigo tudo que desejo com vontade extrema. Acontece que depois, e só depois, eu paro para tentar entender até quanto do meu desejo é suportável pelos meus próprios ombros. Não é, nunca será. Porque do mesmo jeito que eu como um pedaço de pizza a mais do que eu aguento, eu desejo mais do que realmente quero. Pode ser ganância, pode ser ansiedade, pode ser gula de comer a vida com todos os temperos que ela me permitir. E eu reinvento a mim mesma: tenho saudade de quem nunca fui. Já tive menos trabalho, mais tempo, menos whisky e mais cerveja, mas eu sempre fui desse mesmo modo. Que erro! Porque eu mudo os cabelos, os sapatos e troco a cor do batom, posso até fazer reeducação alimentar e parar de comer tanto queijo, mas essa fome de mundo nunca passa e eu vou continuar mastigando meus próprios dias, transformando-os em noites extensas e sonos escassos, só para ter a certeza que tudo que podia ser meu de fato foi. Nem que depois passe. Ainda que depois eu vomite...

segunda-feira, abril 11, 2011

quase tudo

Uma vez, enquanto escorria água quente pelas minhas costas e eu decidia qual shampoo usaria naquela noite, tive uma epifania tão clara e lúcida que parecia explicar todo o universo: banho cura tudo. E, de fato, cura muita coisa. Dentre as sabedorias populares que mais me agradam, a de que banho alivia mal estar tem pontos garantidos no meu rol de conselhos inúteis em momentos inoportunos. Banho cura bebedeira, como também cura ressaca. A temperatura é que nunca é a mesma. Banho conforta, quando se tem que buscar algum tipo de calor imediato e deliciosamente silencioso. Banho parece conseguir esmagar toda aquela sensação de imundície depois de pegar seis ônibus em um dia ou de conversar muito com pessoas pouco sinceras; aliás, falsidade é umas coisas que a minha bucha vegetal anda espantando com frequência.
Banho lava a cara e o cabelo da gente, limpa as costas da grama que a gente deita e do peso que a gente carrega: por quinze minutos (e a água do mundo agradece que sejam não mais que quinze) o mundo se resume a deixar ir pelo ralo o máximo de coisas possíveis, destas que impregnam com facilidade e causam asco a metros de distância. Elenco: coco de passarinho, banco de praça, inveja, giz de lousa, raiva, desrespeito, chuva e suor.
Dos poucos rituais que eu sigo, o banho é, de longe, o meu predileto: estabeleço ordens das coisas que vou usar para depois ter a alegria de invertê-las, mudá-las e sorrir para minha própria cara no espelho anuviado: eu gosto de banhos quentes e eles gostam de mim. E é assim, por meio de nuvens que duram menos de cinco minutos, que eu prefiro meu rosto; não tendo certeza de quem estou vendo. Porque, em verdade, banho cura tudo, mas não lava e nem escorre a verdade: no fim  gente nunca fica limpo o suficiente.

terça-feira, fevereiro 15, 2011

Discurso Formatura Letras, turma 07

Pessoal, teve muita gente - muito fofa e querida - que veio pedir para ler meu discurso. Para matar a curiosidade de quem lá não esteve ou para deixar claro o que eu disse para quem não entendeu graças ao meu r retroflexo ou meu choro, ai vai. Foi muito importante pra mim ter sido oradora dessa turma. Valeu, pessoal.



Prezados familiares, professores e formandos: Boa noite.
Lembro-me bem da primeira vez que entrei na Unicamp, vinda de Batatais e perguntei ao meu amigo também batataense que estudava aqui há um ano: Aonde acaba a Unicamp? Ele riu e eu não entendi. Segui perguntando e apontando para rua atrás do IEL: é ali que termina? Ele riu de novo e disse que bixo era mesmo burro. Eu acatei.
Quatro anos se passaram. Eu, que havia entrado Marcella me transformei em Rosa e vi uma turma inteira mudar completamente. Alguns não sabiam que o Kafka não era um professor, e hoje são professores com os quais eu gostaria de ter aula – não de literatura.  Outros falaram que a professora tinha Alzeihmer e agora sofrem a difícil tarefa de ter memória de professor. Eu lembro de uma delas que disse que ninguém naquela sala era seu amigo. Eu tenho certeza que agora está chorando sentindo falta de todos eles. Teve aluno até que achou que Napoleão tirava foto. Tudo bem, para esse caso eu não tenho desculpa, contudo, o que salta aos olhos é que a nossa sala, tão discrepante e tão misturada, nunca tinha sido exemplo de união e mudou tantas e inúmeras vezes que hoje arrisco dizer que sempre foi unida, sem perceber.
Vocês, queridos colegas, lembram a loucura que foi a aula sobre Biblioteca de Babel, não é? Quantos hexágonos, galerias, e livros irremediavelmente diferentes. Como nos parecemos com eles. Desde a uniformidade aparente que esconde, quando olhados de longe, as tantas diferenças gritantes que temos até a eternidade que mantém vivo o cenário: a biblioteca existe ab eterno. O motivo que une trinta e poucos alunos de no máximo 20 anos a continuar ali também é eterno: a paixão e uma tremenda coragem de fazer letras.
Eu sei que aqui todo mundo sabe do preconceito que a humanas carrega e o quanto ele parece pesar mais quando se trata de Letras. Licenciatura em português, então. O desaforo com a língua de Pessoa foi fortemente enfrentado por cada um de nós em algum momento. Eu sei, senhores pais, o quanto os senhores queriam que fosse direito, que fosse engenharia e – num sonho ainda mais dourado – medicina. (Como você quis, né, pai?).
Mas, não, insistimos em fazer Letras. E o salário inicial? E o mercado de trabalho? E os estágios? Vocês me perguntam – e a paixão? - eu lhes pergunto de volta. E a paixão, ou a Vindicação, diria o Borges… Não esperávamos marido, como alguns invejosos diziam, e, salvo esquecimento de convite, ninguém aqui casou. Acontece, senhores pais, que todos que aqui vestem essa beca horrível tiveram seu propósito: uns prévios, outros encontrados no caminho. E todos, inevitavelmente, abandonaram o hexágono natal pois buscavam a sua vindicação. Dessa minha afirmação, sequer o Gabriel discordaria.
Hoje me deparo com meus colegas, na sala de aula, em casa, na arcádia ou no bar e vejo que o rosto mudou, os olhos são outros e o jeito de encarar as coisas é completamente diferente. Eu me encho de um orgulho egoísta: meus colegas são excelentes profissionais. Neurolinguistas, latinistas, professores de português, professores de inglês, corretores, atrizes, bailarinas, publicitários e – por que não? – teólogos que começaram a ver que o mundo não é nada fácil quando a gente atravessa a rua que vem depois do IEL.
A nossa Biblioteca de Babel tem um infinito muito pior, os nossos livros em estantes imensas nunca serão classificáveis. Fazemos parte de uma massa de pessoas que, sabe-se lá porque, ainda acha que vale a pena ensinar alguma coisa. E muito antes das propagandas eleitorais tentarem convencer       que ser professor era supremo e magnífico.
Penso de novo nos meus colegas. Alguns nobremente ainda querem ser professores, outros não. Fico orgulhosa dos dois: seja daqueles que dão a cara a tapa para um mundo que é muito mais difícil sem licenciatura ou aqueles que honram as aulas de L.A e enfrentam salas de aula, com respeito pelo ensino. Tenho grandes amigas que preferiram estudar latim, mas eu as perdoo mesmo assim. O curso de letras me ensinou a respeitar as loucuras. E vindicações são tão particulares e utópicas quanto é possível ser.
Olho ao meu lado e não vejo mais carinha de criança, vejo meus amigos, meus colegas de profissão e mais uma vez eu não me preocupo: eles sabem para onde ir e como ir. Não tenho certeza se foram as antologias e os estágios ou se foi a coragem de escolher Letras que me garantiram essa certeza: eles serão ótimos e eu vou aplaudir a cada um deles. Vocês também, senhores pais, quantos de vocês que tinham medo da escolha dos filhos agora seguram o grito e o choro de emoção? Vocês estão tão orgulhosos quanto eu, não é? E você, Pai, eu sei que você sempre soube que eu deveria ter feito letras.
No fim, (e isso eu também aprendi no curso de Letras) Borges sempre tem razão: o paraíso deve ser uma biblioteca. E nós, livros começando a ser escritos, precisamos chegar lá o mais rápido possível.
Queridos colegas, foi um prazer estar ao lado de vocês,  e não se esqueçam que a nossa vitória começou no primeiro ano e segue com cada um de nós. É, Junot, você sempre teve razão: a unicamp não termina logo ali.


sexta-feira, fevereiro 04, 2011

Clementine

Meus textos não citam nome, não são diretos  Mas eu sei que quem os lê, me lê. E quem me conhece quase escuta o grito da pessoa a quem descrevo e chamo, na minha voz, rouca e grossa. Senti algumas vezes que o anonimato das minhas paixões salvaria a minha literatura. Besteira, descobri em 4 anos de graduação que eu não sei o que é literatura e que o que eu faço está mais próximo da merda do que de qualquer outra coisa. Então, desvelei tudo. Escancarei meus sentimentos e o meu tesão em forma de letras pouco ou mal combinadas. Foi assim que você me conheceu, não é. Essa pessoa de palavras, boca, (pernas às vezes) escancaradas e que só repetiram seu nome até que você ouvisse meu chamado. Faz um ano e meio que as minhas palavras tortas tomaram o primeiro rumo certo e eu consegui tirar os dedos do teclado e colocar nos seus olhos, na sua barba, nas suas mãos. Eu amei você pela minha literatura, eu amo você pela suas palavras e hoje eu te amo por todas as formas de arte que conseguimos produzir juntos, mal feitas em sua maioria. Bonitas, às vezes. Eternas ou não. Porque você sabe que eu nunca te prometi amor eterno. Não sou do tipo que consegue esse tipo de façanha. Mas eu te prometo calor todos os dias que valerem a pena estarmos lado a lado, paixão no que eu fizer e respeito mal educado pelo homem que eu amo, se não eternamente, infinitamente. E no fundo eu sei que, seja qual for nosso destino, sou igualzinha aquela personagem de casaco laranja e calcinhas coloridas que não consegui esquecer, mesmo quando deseja. Amor, amor, amor, cada dia a mais do seu lado eu sou menos arrogante, menos idiota e mais parecida com o homem que mudou a minha vida.

sábado, janeiro 29, 2011

Fios



Vivo perdida nos meus fios. Eles se enroscam sem pudor nenhum: carregador de celular, de lap top, usb da câmera, usb do mp3, o fio da máquina de depilação, o meu fio condutor. Eu deixo, assumo: nunca me preocupo em separá-los a não ser que seja estritamente necessário (transportá-los, por exemplo. Até nesses casos levo-os junto, como fossem um só). Dei-me bem a vida inteira com meus fios assim, bagunçados e achando que não precisariam necessariamente estar retos para que estivessem bem. Voltas, espirais, contornos sempre fizeram parte dos meus fios e nenhum deles nunca se queixou. Quase todos são pretos, mas nem por isso deixavam de se enroscar com os brancos, beges e cinzas que vez ou outra apareciam: nunca renegaram um remendado. Assim convivi 21 anos com a bagunça dos meus fios, ignorando qualquer ser humano dito coerente que quisesse separá-los e guardá-los. Era o cúmulo do egoísmo, enrolar um fio em si próprio, isolando-o, e guardando, assim sozinho, na gaveta. Hoje, porque disseram que eu sou adulta e que cresci, resolvi separar meus fios: achei que podia ser mais organizada, tomar mais cuidado: ledo engano. Meus fios nunca se separam, gostam de ficar assim grudados, assim confusos. Feito um camaleão, já que a mistura deles era de onde vinha a força para enganar, fazendo-os fortes e grandes. União e não bagunça. Insisti, sou burra. Separei o primeiro, endireitei o segundo, e na tentativa de soltar o terceiro - mais fino e dependente, o do fone de ouvido - rasguei, rompi, cortei o fio. Não me perdoei. Eu precisei de 21 anos para aprender que fios não se separam jamais e que é na sua própria bagunça que eles se entendem, igualzinho a nós todos, perdidos e enroscados.Idêntico aos fios ao meu cabelo e tal qual a minha vida que na confusão se resolve, não adiantando eu tentar separar antes as coisas. Mea Culpa, perdi o fio do fone e o fio da meada: passei horas a fio me remoendo.