sexta-feira, outubro 19, 2012

dor da gente.

"A dor da gente não sai no jornal". Nem tem nome, a dor da gente. Ontem ela cantava, vibrava e comprava um livro novo pra ler debaixo da sombra. Tinha todas as razões do mundo para comemorar, até que veio uma - somente uma - pra desmemorar e pronto: doeu. Uma razãozinha só que nem tinha razão de ser criou a dor e a dor da gente não tem nome. Coisas sem nome ficam difíceis de serem explicadas A gente tenta, tenta de novo e nada de conseguir explicar, dar qualquer sinônimo ou titubear pra lembrar "como se diz em português"? Não há, temos provas, nenhuma língua no mundo capaz de nomear a dor. Nem alemão. Nem árabe. Nem aramaico.
A dor que segue sem nome encuca a cabeça da gente. Ontem, carregando o livro recém-comprado e a caminho de não-tinha-certeza-donde, pegou um ônibus e se sentou ao lado de uma moça bonita, que elogiou gentilmente a sua roupa. Ela forçou um sorriso: na escala das alegrias e das dores, alegrias contabilizavam muitos pontos a mais, mas, ainda assim, perdia em intenções de voto para aquele fim-de-tarde e início de noite de primavera.
O ônibus que sacolejava muito misturava as ideias dentro da cabeça dela, que já não raciocinava com precisão: então, apoiou a mão na catraca e não viu o momento que o rapaz - muito bonito ele, também - passou e prensou seus dedos.
Ela chorou, chorou, chorou. Não doera tanto assim e o rapaz, sem saber de nada, pediu um milhão de desculpas. Ela sorria chorando e disse ao rapaz que "por favor, não foi nada, já passa". Claro que prensar o dedo dói, mas naquele momento - ainda que não tivesse nome - sua dor tinha uma causa mais justa, concreta e sincera. Então chorou o choro guardado ao longo do dia inteiro, legitimada pelo dedo que agora estava entre o vermelho e o roxo.
Ao descer do ônibus sorriu e disse tchau para o rapaz, que ainda estava desconsolado. Só não disse "muito obrigada" porque tinha medo de parecer masoquista demais. Será que não era?

sábado, julho 28, 2012

Recado para Diorina (mas serve para Mackerina e Chanelina)

Diorina, me diz, para que essa maquiagem toda? Faz dias que eu não percebo que cor tem embaixo dos seus olhos. Olheira não é vergonha não, menina, é sinal de noite bem acompanhada (ou de insônia pensando em sua sina). Mas se tu passou a noite acordada, e a companhia não foi minha, esconda mesmo essas olheiras, antes que a noite acabe em carnificina.

Volte, aqui, Diorina. Duvido que essa cara toda só contenha 1 grama. É muito reboco para pouca pele. Como é que a gente vai saber, amada minha, se aquele beijo no cangote valeu ou não um arrepio nas bochechas? Aliás, com essa maçãs do rosto assim tão vermelhas eu fico confuso: não se te mordo ou me mordo de ciúme: fica se ruborizando toda até para pedir o pão da esquina. Ai, Diorina...

Diorina, eu sei que tu é minha bonequinha, mas não carece de cílios tão grandes, não. Assim teu olho fica mais longe do meu e você num pode nem chorar depois daquele filme lindo. Fica parecendo o corvo e, ai, vida minha, esse bicho me bota nervoso.

Olhe, Diorina, quem dá corretivo é Deus! Largue o pó ou eu largo de você. E te chamo de palhaça com justa causa. Base na sua vida sou eu, mulher! Apoia aqui que eu te levo onde tu quiser. Diorina, que susto você me deu semana passada, achei que aquela minha pinta predileta tinha sido dizimada.

Vem cá, Diorina, não diz que eu sou insensível, não. Molha esse cabelo que eu gosto dele bagunçado, e pra tu não reclamar aqui do seu amado, eu lhe digo: passa um batom bem vermelho e vem manchá-lo todo aqui comigo.





segunda-feira, julho 23, 2012

Que é melhor não fazer planos pra você.

Amigo 100.

Adoro essa música, e me identifico com todos os versos dela. Até na versão do Sorriso Maroto a letra faz todo sentido. Sou uma pessoa de planos, e de expectativas (para o seu delírio, amigo tão querido). Se não faço planos, fico meio assim: sem sentido, sem querer. Eu preciso fazer planos, porque é deles que eu alimento as áreas da minha vida. Foram dos meus planos mais confusos que nasceram as minhas melhores realidades: independentes dos outros. E elas não foram por acaso. O acaso é meu melhor amigo, e não exagero em dizer que ele seguiu direitinho os planos que andei fazendo. Eu planejo até a roupa do dia seguinte. Mas e se chover? Não me importa escolher outra roupa, porque eu já dormi tranquila por ter escolhido uma. Eu vou planejar o caminho da viagem. E se o google maps errou a rua, ok. Pelo menos eu sai de casa sabendo o que eu fui fazer. Planos e expectativas, caríssimo amigo que ganha tudo no master, andam de mãos dadas, e não posso viver sem um ou sem o outro. Sabe é uma pena quando os meus planos envolvem as pessoas, às vezes pessoas como você, que não creem em planos e que mal planejam o dia seguinte. Eu sei, e você me confirma, que não é menos amor que as pessoas não se incluam nos meus planos e não me incluam nos delas. Plano é tipo nariz, cada um com o seu. E enquanto uns se preocupam demais, outros nem lembram que existe. Mas, sabe, é que eu acho tão gostoso quando um nariz encosta no outro e faz assim um beijinho de esquimó. Plano com plano dá um gosto de viver. Não queria ser repetitiva, não, nem falar do já falado, mas andei planejando e queria te dizer, amigo tão querido, que você tem razão: a natureza humana é nosso eterno carrasco. Ela brinca de matadouro com minha alegria. Alimenta, engorda e depois abate. Saudade, amigo! Tô planejando aquela cerveja...


domingo, junho 10, 2012

mini declaração mórbida de amor.

às vezes eu tenho vontade de te matar, 
mas nem vivo sem você, 
nem tenho vocação pra suicida.

domingo, maio 27, 2012

poema do dia de hoje.


A gente não liga mais para o dia
Quatro vezes, mas é pura covardia
um alarde, eu diria
mas não tenho feito
nada.
Absolutamente,
nada
a respeito.

Poderíamos morrer de saudade,
Mas preferimos os livros
Morrer é tão banal,
E a gente é tão
Tanto
Tão.

Escroto, sem tanto pesar fico
Mais leve, mais exposta,
O importante é calar o sentimento
Não importa que as pernas
Estas sim
Permaneçam à vista.

E levemente abertas, caso haja interesse,
De um lado, afinal,
O único interesse que talvez permaneça
Seja sensual.

sábado, maio 26, 2012

Boa noite.

Olho pra você e vejo exatamente tudo que eu preciso, na dimensão exata do que me propus, um dia, procurar. Tremo absorta, você é um acerto tão grande de probabilidades que parece um erro, tipo a questão mais fácil do vestibular, que sempre tem cara de pegadinha. Eu sei de pelo menos 5 pessoas que gostariam de estar no meu lugar agora e, ainda assim, sou completamente incapaz de fazer algo direito. Olho pra você e é como se você quisesse que eu ficasse quieta, que não dissesse coisas tão injustas. Nosso senso de justiça é diferente, temos limites opostos para o que chamamos de justo. As minhas causas são só consequências pra você e ficamos diante do mesmo dilema todos os dias: como é que você pode me amar assim? Eu não sei, e se eu soubesse bem provável seria mais fácil para nós dois, mas essa dúvida me consome tanto - e tantas vezes- que fico completamente perdida. Você ainda me admira? Fico me perguntando se essa cabelo médio e essa profissão pouco enriquecedora não te fazem me olhar como mais uma. Convenhamos, eu era mais charmosa, antes. Meu atrativos eram mais e outros, mesmo que minha conta bancária fosse bem menor. Dei uma risada alta escrevendo isso, tenho amigas que achariam um absurdo essa relação de oposição. Volto a olhar pra você, deitado no escuro, na minha cama. Eu te vejo melhor no escuro, combina mais com o seu silêncio. A cama tá ficando velha, eu acho que eu também. Enquanto você parece que parou no tempo e continua ali, tão bonito e vivo, que seria até pecado eu te obrigar a me acompanhar. Quantos dias seus eu ainda vou estragar?, fico me perguntando enquanto passo os dedos machucados nos meus cabelos já começando a esbranquiçar. Eu 'tou cansada, eu sou um erro antiquado com cara de vintage. Eu engano, assim de óculos de sol e batom vermelho, até parece que eu vou surpreender. Mas não, nem as minhas dedicatórias te surpreendem mais. Vou embora sem enxergar direito o que você quis me dizer à distância: faz muito barulho em volta de você e os sorrisos no ar, igual no filme da Alice, me enlouquecem. Eu não consigo te ouvir, e você não pode reconhecer minha voz. Amanhã vou te perguntar se a festa foi boa, você vai dizer que sim, e, nesse mesmo instante, os sorrisos de gato da Alice vão surgir a sua volta, lambendo a boca e me lembrando, como se eu fosse realmente louca, do que eu perdi enquanto mantinha meus olhos voltados para baixo, bisbilhotando meu próprio decote, tentando me encontrar.

terça-feira, maio 15, 2012

molho de tomate.

Adoro tomate, Ketchup, gaspacho, mas poucas vezes dei atenção ao molho de tomate da pizza como naquele dia. A gente estava tão cansado que não sabíamos mais se andávamos abraçados ou apoiando um no outro, para tentar chegar no nosso destino que nos esperava depois de uma íngreme subida. Morríamos de fome quando avistamos aquela pizzaria despretensiosa, com  um preço igualmente despretensioso. Em São Paulo, pagar tão pouco dava até medo. Pedimos a pizza e você queria esperar com uma cerveja. Sei que no fundo te decepcionei quando declinei o convite, mas é difícil ser menina e tomar cerveja na incerteza constante de um banheiro. Enfim, a cerveja cairia bem se logo depois dali um BR não nos esperasse. Tomei coca para o seu desgosto e para meu prazer, mas mal sabia que aquele sede matada com açúcar e algumas substâncias nada saudáveis era só o começo de um prazer inenarrável. A pizza média - deveríamos ter pedido a grande - surpreendeu mais do que poderíamos imaginar. Comíamos com tanto gosto que já se confundia a fome com o sabor sinceramente aprovado por nós. Que importa se a fome é o tempero? Importante é o prazer. Ficamos cogitando porque aquela pizza tinha tanto sabor e porque era tão melhor que as demais. Claro que a primeira hipótese foi o queijo, a frescura do manjericão, a massa crocante e na grossura correta. Nada disso surpreendia. O segredo - devidamente escondido- daquela pizza era o molho de tomate: natural, sem conservantes, nada ácido e muito, muito saboroso. Por um momento fiquei imaginando quantos mil pratos deliciosos poderiam ser feitos com aquele molho. Imagina? Você imaginou, eu acho. E, que pena, estávamos cheios e atrasados demais para pedir mais uma. Pagamos a conta e fomos embora. Eu, sinceramente, estava desolada de morar tão longe daquele molho de tomate, mas poderia sobreviver. Hoje, já sem muita fome, pagamos mais caro por uma pizza que nem tinha aquele sabor todo. Ainda assim estava uma delícia e eu desconfiei fortemente do meu senso de discernimento e bom gosto, já que andei achando tudo muito apetitoso e conveniente. Eu estava deitada no seu colo nesse momento, meu corpo se dividia em fazer a digestão e achar uma resposta para essa pergunta completamente idiota. Olhei pra você - e não que você estivesse vermelho - e me lembrei do molho de tomate. Tinha sido naquela tarde acabada de um dia que nos destruiu que eu descobri que você estava de volta, ali, sinceramente comigo. Isso temperou meus dias, salvou minha vontade de devorar incansavelmente todos esses sabores que vem junto do seu sorriso e colados ao seu abraço. Era por isso que a pizza andava tão boa. Bom, talvez seja uma pena nunca ter aprendido a receita daquele molho de tomate,  mas talvez ele nem fosse tão bom assim...

sexta-feira, abril 20, 2012

Vou confessar escrito, o que nem sob tortura tenho coragem de dizer. Eu sempre esperei, faço hoje da minha vida um eterno esperar. Eu espero que você volte e fique aqui, que diga as coisas que só fazem sentido se ditas  por você. Eu espero de outro beijo, que seja o seu. Eu espero das outras pessoas atitudes que só você tomaria. Eu espero do meu prato de comida, que você prove. Eu espero a sua companhia, e eu te esperei esse tempo todo porque só fazia sentido esperar e não porque eu tivesse me programado a isso. Eu espero enquanto prometo esquecer, eu espero enquanto acordo porque andei esperando dormir, pra ver se - ao menos enquanto eu sonho - minha vida não seja espera. Eu acordo, olho pro lado, espero que seja verdade e quando é mentira, eu espero esquecer. Eu espero seu telefonema, seu chamado, eu abro emails antigos e espero antigas saudades. Eu espero desde o dia que eu te conheci: esperei que você se acostumasse a mim, esperei me acostumar a você. Mais: esperei a gente se entender. Muito tempo antes disso, eu esperei os meses passarem, esperei os quilômetros diminuírem, esperei a curiosidade virar amor. Eu sou boa em esperar. Queria dar um basta nisso, dizer que não, que chega, que parte pra outra já que você não reconhece mais a minha espera. Eu sou ridícula porque no fundo eu sei que vou esperar, tantos dias e noites forem necessárias, ainda que eu finja que não. Eu espero que não, mas, cá entre nós, sabemos que sim. Espero porque é exatamente isso ai, eu te espero desde o dia que eu nasci.

segunda-feira, abril 16, 2012

O casaco de renda.

Entrou em seu quarto na posição que agora lhe cabia: de estranha. Pediu licença e foi discreta, assentando calmamente a bolsa sobre a mesa, para evitar que fizesse muito alarde naquele espaço arrumadinho que ela acabava de conhecer. Viu um casaco de renda sobre a mesa, embaixo da calça jeans dele. Achou que o coração ia saltar pela boca no mesmo instante que ela gritasse: de quem é esse casaco? Era de bom gosto, a renda; de péssimo, o sentimento. Engoliu a seco e esboçou um sorriso falso, que ele conhecia bem: infelizmente, era o máximo que ela conseguia fingir, afinal, podia racionalmente entender que ele tivesse um casaco e a dona de um casaco em cima da mesa - ou da cama, coisa que preferia nem pensar - mas não podia obrigar seu coração a passar tranquilamente por esse fardo. A garganta doeu de segurar o grito, a concentração foi embora, como ela queria ir, mas não foi. Resistiu bravamente e trabalhou, frente ao casaco que, a cada segundo, olhava pra ela com desdém que só uma renda pode olhar. Resolveu dormir pra esquecer, mas não cabia direito em sua cama, havia um espaço que lhe oprimia, talvez porque o casaco ainda estava no mesmo metro quadrado que ela. Dormiu, enfim, e sonhou com o maldito casaco. Se aquelas rendas se desmembrasse em fios, virariam facilmente uma corda digna de enforcamento, estava provado que casacos de renda também pode sufocar. Além de lidar com o sufoco de tolerar aquele maldito casaco, ainda tinha que ser gentil com ele, já que nenhuma culpa ele tinha. Não eram mais namorados, tentava repetir tantas vezes quantos pontos de crochê contava no casaco. Foi uma tarde inteira de superação e quando conseguiu convencê-lo a mudar de cômodo, e respirar o ar puro e livre do casaco, ouviu lá ao fundo a quarta voz (não a dela, nem a dele, nem a do casaco) perguntar sobre um tal casaco de renda. Ele não sabia, ela sim. Respondeu: está embaixo da calça jeans, como se tivesse dito: Obrigada, quarta voz, por me tirar esse fardo. E o casaco se foi, sem qualquer briga. Teve orgulho dela, dele e até do casaco que, com a sutileza e fragilidade da renda não se desfez em fios cortados, nem com o olhar mais odioso dela...

segunda-feira, abril 09, 2012

perdas.

Tirou os sapatos antes de entrar, limpou a mesa, arrumou a mala. Guardou o que era seu, inclusive os segredos. Não teria mais uma vida compartilhada e só depois de tanta coisa sendo rompida gradativamente percebera isso. Foi preciso que ele lhe contasse para que fosse verdade, como quando sua mãe lhe contava histórias e de repente elas existiam. Se ele disse, então não podia ser mentira. Ele não era de mentir, e se nos olhos dele não havia mais o que colher, o que resgatar, era porque, enfim, haveria um fim. A dor de admitir sua perda já lhe tirara a fome, a alegria, o brilho dos cabelos e o canto das unhas. Os dias sem sua presença lhe tiraram o ânimo, a beleza e um pouco da sinceridade. Mentia todos os dias dizendo "tudo bem, e você?"aos semi-desconhecidos que andavam por ai, tão irrelevantes quanto figurantes de seriado zumbi. Ele lhe tirara um pouco da auto-estima, da vaidade: por um tempo, achou que só fazia sentido se por bonita se ele a visse, mas ele nem a olharia mais. Então, acontece - a gente cansa de perder. Tirado tudo dela que ela tinha, ele devolveu, e tirou de novo, como se num ato de tortura ela pudesse saber o quanto é bom ser mais de um, o quanto faz mais sentido ser dois. Mas essa certeza também lhe foi tirada. Tirou a roupa, enfim, a maquiagem e, com o sono furtado, foi deitar. Hoje, não lhe tiraria  nada,além da única coisa que de fato ela perdeu: ele.

sexta-feira, março 30, 2012

você.

Você acabou de sair por essa porta e é como se eu tivesse sido esmagada por um rolo compressor. Selecionei as músicas que me fazem lembrar de você e estou me torturando enquanto lhe escrevo aquilo que eu nunca vou te mandar, porque eu sou fraca. Eu fiquei fraca. Hoje, eu não combino mais com você, já percebeu?  Você agora é forte, intenso e completamente independente, tão diferente do rapaz tímido que eu conheci. E eu sou completamente apaixonada pelos dois. Fico me perguntando quando foi que a gente trocou de personalidade. Foi naquele dia que a gente chorou abraçado vendo a nossa vida em comum acabando? Ou no liquidificador enquanto eu batia um leite gelado que, naquela época, jamais me faria mal: só a você. Talvez naquela noite de frio, quando eu visitei os seus pais. A verdade é que é como se eu tivesse, por castigo divino, herdado as suas piores características, para não conseguir te esquecer nem quando eu olho no espelho. E eu juro que não estranharia se os meus cabelos começassem a cair, também. Para a dor que eu sinto hoje, você diria "tudo bem", e seguiria calmo a sua vida, como seu eu não tivesse passado por ela, mas o pouco de mim que ainda me resta grita, implora, mata para que eu reaja e te peça: vê se volta e devolve o há de mim que eu abandonei dentro de você.

domingo, março 25, 2012

Escroto

Sempre achei escroto uma palavra feia demais e evitava usá-la em qualquer situação. Desde a questão fonética à semântica, escroto não era uma palavra a ser dita com frequência, nem por qualquer motivo. Não tem a pluralidade de "foda"e, menos ainda, a força sincera e humilde do "puta que o pariu". Escroto, então, era um tabu que, vez ou outra, eu quebrava de maneira tímida para me referir àqueles babacas, cujas atitudes me davam tanto asco quanto a própria palavra escroto. Não gosto da palavra escroto em nenhum sotaque, nem gaúcho, nem mineiro, nem paulistano, menos ainda carioca, que chia incansavelmente o s, dando mais relevância ainda a uma palavra que, se eu pudesse, excluiria da língua portuguesa. Ontem, eu pensei em você e doeu demais, em todos os lugares que eu tinha para sentir dor. Do mesmo modo, falei de você e minha boca se encheu de um gosto tão ruim que já não podia aguentar. Pensei e disse que você era escroto, e só de ter pensado e dito isso eu entendi qual o limite que uma dor pode levar, para além de qualquer pira linguística sobre qualquer palavra do mundo...

segunda-feira, março 19, 2012

sol.

O sol se pôs e eu não chorei, mesmo tendo passado o dia inteiro morrendo de medo do momento em que isso aconteceria, eu não chorei. Acordei com o peito dolorido, saudoso, eu aproveitei cada segundo e cada raio desse sol que eu sabia, ai que pena eu sabia, ia acabar. O sol foi embora, foi calor, foi luz, foi dia. e que preguiça eu tenho de viver longe do sol, parece que a lua me encara e sabe que evitá-la, no fim, é inútil. O sol se pôs e se eu pudesse me teletransportava pro Japão pra ver o sol nascer de novo e aproveitar o sol, e só o sol, que me queima, me incomoda, me cega e mesmo assim eu gosto. Ai, sol, fica. Fica que dói demais longe de você, fica que à noite eu não confio em mim, nem nos gatos que ficam todos eles pardos. Se eu pudesse eu te amarrava, sol, colocava algema em cada raio seu que era para você nunca ir embora, ficar aqui, pra sempre, esquentando meu cangote. Gosto não de dormir de noite, era de dia que eu me sentia segura. Mas assim sem você, assim sem você, eu prefiro é nem dormir mais. E eu queria acreditar que a noite fosse curta, mas sabe deus se eu vou acordar mesmo no dia seguinte, né? Que a vida num ta fácil nem pra astro-rei, imagina pra mim, que nem de satélite passo, que nem luz própria encontrei ainda.. Então, sol, fica aqui meu beijo, meu cheiro, meu abraço, se a noite não parecer eterna, volte quando der...

sábado, março 17, 2012

Se fosse hoje o primeiro dia que eu te conhecesse, eu nunca saberia que um dia você teve tanto cabelo. Nem você lembraria que o meu se confundia com um rabo de rato e com roupas tão diferentes das que eu uso hoje. Se hoje eu tivesse te conhecido, você não seria meu amor impossível que transpôs uma distância física, tão mais sutil que essa distância de almas que me massacra e destrói. Se você me conhecesse hoje, talvez eu seria uma pessoa boa em contar papéis, porque eu teria que ter aprendido isso sozinha. Talvez você já soubesse cozinhar, talvez nunca tivesse comido na vida uma lasanha de escarola. E se eu te conhecesse hoje, eu te amaria desde a primeira vez porque eu não saberia que, enfim, isso não é o suficiente. Se hoje, mais velha, mais forte, mais sincera eu te conhecesse, talvez eu nunca te arrancasse uma lágrima, mas tantas foram elas..Se hoje, meu deus, se exatamente hoje fosse a primeira vez que a sua mão encostasse no meu cabelo, talvez eu nunca o cortasse, talvez eu nunca os perdesse, talvez eu nunca os desprezasse. Mas não foi ontem que eu te encontrei, nem anteontem, nem na festa da quinta passada. Acontece que eu te encontrei e seus braços e seu jeito e o seu abraço justamente quando eu mal sabia quem era e você sequer desconfiava do que queria. Foi lá, foi lindo. Sou dessas que trocaria alguns anos de vida por alguns minutos. Eu trocaria alguns anos de vida por poder voltar atrás para ter pegado o trem certo, onde eu te conheceria de novo, agora.

segunda-feira, março 05, 2012

Borboleta

Hoje uma borboleta veio aqui,
achei que ela ia me contar um segredo.
A vida após a morte, a minha sorte, o seu desejo.
Mas ela não falou nada,
nem queria ir embora.
Parecia tanto você, que até deu uma vontadinha
de prendê-la no armário,
de amarrar suas asas,
e chamar de minha.

domingo, março 04, 2012

solução

Não sei de que essência eu sou feita, mas se eu pudesse descrevê-la nos aspectos químicos (sobre os quais eu não sei nada além da fórmula do etanol) eu diria que sou feita de matéria facilmente solúvel, completamente capaz de aceitar o solvente que tiver à disposição, especialmente se vier derivado - e embebido em - álcool. Dessa minha capacidade quase universal  de me tornar solução, derivam minhas características mais minhas, das quais me orgulho e me envergonho, não em turno, mas concomitantemente. Facilmente me misturo, facilmente me apego, facilmente me transformo numa terceira fórmula nova - irreversivelmente mais interessante. Se por um lado me dissolvo em você (e nela, e nele, e nós) como se consistisse nisso a minha vocação mais sincera, por outro, resisto bravamente - ainda que entre gritos - ao calor extremo. Nenhum é capaz de me derreter. E enquanto você, ela, ele evaporam rapidinho porque acham mais fácil ser carregado do que resistir, eu fico ali, sólida e desconjuntada, parecendo não saber o que fazer. Mas eu sei exatamente: eu só fico ali esperando um outro solvente chegar, transformando esse meu jeito sem forma na nova solução que vai dar sentido - pelo menos naquela semana - para minha vida.

domingo, fevereiro 26, 2012

a você,


vou lhe escrever essa carta agora que eu já não me importo mais. Tantas vezes eu queria ter te dito que você é lindo e que é uma excelente companhia até pra fazer nada. Eu quis muito te dizer que me doía o seu jeito de não dizer nada, de aparentemente não sentir nada e da sua incapacidade de elogiar, mas eu fiquei quieta. Eu fiquei quieta todas as vezes porque eu tinha muito medo de parecer essas mulheres malucas que você critica tanto. Eu não sou maluca, mas eu também não sou esse poço de silêncio que aceita com indiferença seu desprezo. Eu senti todos eles, eu até chorei alguns deles. Mas eu aprendi a sofrer calada e se hoje eu te conto isso, é porque não me importa mais. Eu queria tanto ter te contado o porquê te dei aquele chocolate, mas preferi que você achasse que era só mais uma lembrancinha. Melhor assim. Melhor assim porque e não posso entender seu jeito bipolar, de um dia ser a pessoa mais doce do mundo e no outro parecer nem lembrar direito meu nome. Incrível que, até hoje, a única coisa que eu sei que você gosta em mim é meu cabelo e meu strofonoff, e, na verdade, eu sempre quis te dizer que acho uma gracinha a sua cara pós-piadinha-mal-feita. Tudo bem, eu torci pro seu time perder aquele dia que você me trocou pelo jogo, mas no dia seguinte, eu não queria atrapalhar seu trabalho, eu não queria roubar seu tempo. Na realidade, eu só queria te dar  um beijo e desejar boa viagem, que a gente não se perdesse tanto da gente em alguns dias tão loucos. Mas tudo bem, é isso aí. Ficam meus votos de boa viagem, porque agora a gente vai passar por aquele processo inevitável de nos tornamos semi-amigos, depois desconhecidos, até eu te esquecer completamente. Então, boa viagem, porque eu não vou saber de mais nada...porque eu não tive nenhuma chance de me apaixonar de vez por você. Porque você nunca deixou. Porque agora, a partir de hoje, eu finjo que não me importo.

com carinho,

Eu, e todas as outras.

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

Merda.

Já te contaram que merda só fede quando a gente mexe nela? Ignorada, no canto, ela resseca, endurece e a gente chuta longe se precisar, mal sente o cheiro na ponta do sapato novo. Nunca abaixe a guarda, menina. Nem para o sorriso, nem para a palavra de carinho, menos ainda pra shows particulares, completamente incompreensíveis. Quanta coisa a gente aprende e desaprende no terceiro abraço. Quanta coisa a gente finge que esquece. Esquece que as pessoas não precisam de fato se importar para fingir que se importam, e que a gente não precisa se machucar para sentir uma dor insuportável, dessas que nem banho cura. Não abaixar  a guarda e ignorar toda merda que lhe envolve, garotinha burra: aprendendo isso, tudo se resolve, e você volta a ter consciência. Do quê? De quem? Você não faz a absoluta ideia, mas qualquer coisa vale mais que uma meia dúzia de riscos poucos sinceros em volta do olho, denunciando que ele sempre soube mais.Ela cansou do jeito que você sorri, do modo como você espera, do jeito passivo de levar a vida. Tudo bem, ela não se importaria mais, não fossem os dedos curiosos que insistem em cutucar a merda que é a matéria que te constrói. Dá para sentir o cheiro de longe...

terça-feira, fevereiro 14, 2012

baunilha

Acho baunilha um negócio incrível, 3 gotas e faz toda diferença no bolo, no brigadeiro, na vodka. Poucas coisas são tão eficazes quanto baunilha. Eficazes e sinestésicas. Baunilha fica bem misturada, nunca sozinha. Essa é a característica que eu mais gosto na baunilha, depois da eficácia: o poder de combinar. Mas eu dizia que baunilha é sinestésica: ela encanta, entorpece e às vezes até incomoda de tão bom que é o cheiro, mas quando a gente encosta a boca, o gosto é outro. Eu achava isso de café quando era pequena: um cheiro tão bom, um gosto tão ruim. Aprendi a gostar de café, enfim. E café fica bom com baunilha. Na verdade, ontem eu descobri que a maioria das coisas do mundo ficam boas com baunilha. Menos só baunilha. Até pele, até carinho, até vontade. Achei graça que o cheiro não queria sair da minha mão, parecia brincadeira. Ai, minha nossa senhora do bolo nega maluca, eu não me concentrei o dia inteiro. Fiquei, aqui, pensando e cheirando baunilha... 

:

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Amor ainda

Pois o nosso final não tem fim, não, só tem amor

É preciso desapegar, é preciso deixar a vida levar embora o que não me pertence. Eu junto sacolas de bijuterias, roupas velhas e os meus tão estimados sapatos, mas não posso me desapegar de você. Você é como as bonecas que sobrevivem na casa da minha mãe, intactas e limpas, guardadas, mas não por mero capricho ou egoísmo meu, juro que não por isso. Eu deixaria que brincassem com as minhas bonecas, se elas permanecessem ali, sendo minhas. Eu acho que você vai rir com essa comparação, dizer que não é um objeto, menos ainda uma boneca, mas a verdade é outra: aquelas bonecas na casa da minha mãe são uma lembrança. Não do meu passado, nem dos meus aniversários, menos ainda da minha infância. Elas são, apenas e tudo isso: um aviso material daquilo que eu sou, para eu nunca esquecer o porquê de estar nesse mundo. Elas me lembram, no silêncio do meu armário, de que matéria eu sou feita. Elas não me deixam ter saudades de mim. Você é exatamente assim.  Eu não poderia me desapegar de você porque eu me esqueceria. Eu não posso me desapegar de você porque, é bem provável, eu já não me lembraria (e me perderia) daquilo que há de melhor dentro de mim.


segunda-feira, janeiro 09, 2012

Bandeira.

Seus olhos pareciam a bandeira da França: o branco da órbita, o vermelho das veias e a borda azul que a lente de contato fazia em torno da írís, tão preta: quase um abismo. Podia ser a bandeira dos estados unidos, também, fosse considerar o inglês malemolente, entoado pelo álcool. Era linda de ver. E tanto tempo ficara admirando seus olhos e rindo da própria viagem de imaginar olhos como bandeiras (quem mais faria isso?) que teve medo de achar que aquele era um olhar apaixonado. Não cabia romance naquela noite, menos ainda naquela semana. Não caberia, simplesmente. Desviou os olhos num segundo, e fingiu desinteresse. Era mestre nisso há anos: sufocar paixões, quanta viessem, quantas fossem necessárias em prol de um objetivo: o de não ser de ninguém. A bandeira nos olhos dela hasteava qualquer coisa entre a embriaguez, o sono e o torpor: tanto cansaço que ela pediria arrego em seu ombro. Que alívio para ele, que lhe deitava um beijo na cabeça e agradecia ao deus que não acreditava por ela ter desviado seus olhos, antes que a bandeira acenasse-lhe um patriotismo e uma devoção que ele não seria capaz de tolerar.