"A dor da gente não sai no jornal". Nem tem nome, a dor da gente. Ontem ela cantava, vibrava e comprava um livro novo pra ler debaixo da sombra. Tinha todas as razões do mundo para comemorar, até que veio uma - somente uma - pra desmemorar e pronto: doeu. Uma razãozinha só que nem tinha razão de ser criou a dor e a dor da gente não tem nome. Coisas sem nome ficam difíceis de serem explicadas A gente tenta, tenta de novo e nada de conseguir explicar, dar qualquer sinônimo ou titubear pra lembrar "como se diz em português"? Não há, temos provas, nenhuma língua no mundo capaz de nomear a dor. Nem alemão. Nem árabe. Nem aramaico.
A dor que segue sem nome encuca a cabeça da gente. Ontem, carregando o livro recém-comprado e a caminho de não-tinha-certeza-donde, pegou um ônibus e se sentou ao lado de uma moça bonita, que elogiou gentilmente a sua roupa. Ela forçou um sorriso: na escala das alegrias e das dores, alegrias contabilizavam muitos pontos a mais, mas, ainda assim, perdia em intenções de voto para aquele fim-de-tarde e início de noite de primavera.
O ônibus que sacolejava muito misturava as ideias dentro da cabeça dela, que já não raciocinava com precisão: então, apoiou a mão na catraca e não viu o momento que o rapaz - muito bonito ele, também - passou e prensou seus dedos.
Ela chorou, chorou, chorou. Não doera tanto assim e o rapaz, sem saber de nada, pediu um milhão de desculpas. Ela sorria chorando e disse ao rapaz que "por favor, não foi nada, já passa". Claro que prensar o dedo dói, mas naquele momento - ainda que não tivesse nome - sua dor tinha uma causa mais justa, concreta e sincera. Então chorou o choro guardado ao longo do dia inteiro, legitimada pelo dedo que agora estava entre o vermelho e o roxo.
Ao descer do ônibus sorriu e disse tchau para o rapaz, que ainda estava desconsolado. Só não disse "muito obrigada" porque tinha medo de parecer masoquista demais. Será que não era?