quarta-feira, junho 03, 2009

Ele gostava do escuro, de dormir sem luz nenhuma. Ela gostava de dormir com o abajur de peixes aceso. Ele se irritava de madrugada quando acordava para ir no banheiro e via aqueles peixes passando na parede branca que tava descascando. Ele bufava e apagava a luz, ela se remexia e levantava os braços procurando os dele:
‘Já volto, vou no banheiro’ e às vezes não voltava. Ela passava a noite toda roçando os braços naquele lençol para ver se encontrava um pedaço dele, enquanto ele dormia na leitura de um livro, justificando uma insônia sem sentido.
‘Volta aqui’, e ele voltava. Ela acendia o abajur, abria um sorriso e dizia: eu gosto de te ver, menino.
Ele também gostava de ver o jeito dela de dormir com um braço embaixo do travesseiro e o outro por cima do peito dele, com a mão passeando na barba, até cair…cansada. Gostava do jeito que ela entrelaçava as pernas dela nas dele, e de quando ela acordava assustada com o pesadelo: “sonhei que você não tava aqui”, chorando e sorrindo, deitava no peito dele e dizia: “Mas ainda bem que você está!”
Ainda assim, ele não gostava de dormir com luz acesa.
Um dia se irritou, disse que com luz não dava, ele tinha que descansar e aqueles peixes na parede causavam insônia. Ela sorriu, entendeu. Pegou seu abajur de peixes debaixo do braço e foi embora, chorando e sorrindo, como se fosse um pesadelo.
Ele ficou no escuro, procurando os braços dela. Acendeu a luz e não viu nada. Talvez fosse melhor o escuro agora que ele não tinha mais o que ver.

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