Lembro que aos 13 anos tinha certeza que o homem da minha vida seria aquele que soubesse com extrema precisão a resposta perfeita para a pergunta que explicaria o mundo: você prefere nescau ou toddy? Se com segurança ele me respondesse "pronto, nescauzinho! Se for quente, nescau também. Se for frio, aí toddy. Jamais Muky ou Chocolate do Padre!" eu saberia, então, que estava diante do pai dos meus filhos e do homem que saberia que o meu nescau não pode ficar mais de 1 minuto no microondas - sempre sem açúcar. A vida me ensinaria, a trancos e barrancos, que um homem ideal pode ter intolerância a lactose, e que, às vezes, o nescau facilmente se transforma em flatulência. Ok, idealismo, você fica para lá. Aos 15, meu príncipe não viria em um cavalo branco, mas na sua harley edição comemorativa, vestindo um colete dos ABUTRES enquanto ecoaria ao vento Born To Be Wild, no mesmo momento, a minha saia de pregas xadrez e meu coturno caminhariam firmes em sua direção. Os ABUTRES, no entanto, restringiam seus integrantes a pessoas pelo menos com o triplo da minha idade e que não ficavam tão bem assim de roupa de couro, dada a saliência frontal. - típica da idade e impossível de esconder. Desisti de encontrar o homem perfeito até entrar na faculdade: aos 17 anos, tinha certeza que o homem da minha vida viria com os cabelos e barbas longas falar de marxismo pra mim; aos 18, preferia um neomarxista e especialista em Teoria Crítica, que olharia minha tatuagem e: "PUXA! ADORNO, KANT, HORÁCIO". Seríamos feitos um para o outro. Dispensei os cabelos longos e tudo bem se ele não soubesse a entonação certa de sapere em Latim: a melhor amiga daria conta do recado. Aos 19, queria um italiano que fosse judeu, não encontrei nenhum por aí, mas me contentava com os só italianos e só judeus. Que nunca eram suficientes, pois sempre faltava algo (especialmente no caso dos judeus). Quando completei 20 anos, desisti de encontrar o homem perfeito, porque acabei trombando por um quase perfeito, quase sem querer, e quase sem trombar. Tinha inúmeros defeitos, não tinha tanto cabelo (da barba jamais abri mão!) e uma bicicleta ao invés de harley. Mas de algum jeito tudo dava certo. Até quando não deu mais. Engraçado que nesse dia ele ficou menos quase e mais perfeito. E, hoje, aos 22 anos e alguns meses, descobri que ainda bem que não existe homem perfeito, senão eu perderia metade das piadas, dois blogs e muita conversa na porta da cozinha. Perderia a risada conjunta, e aquela graça infinita que é simplesmente não se apaixonar por ninguém e gostar de todo mundo, ao mesmo tempo e bem imperfeitamente.
quarta-feira, outubro 26, 2011
segunda-feira, outubro 17, 2011
tantas outras coisas.
Olho, ainda enquanto trabalho, para a nossa foto ali no quadro. Eu poderia pensar em tantas outras coisas, umas tristes, outras não; mas só uma me vem à cabeça ainda: eu sei o que é um homem de verdade. Hoje, não quero saber porque não estamos mais juntos, nem quero sofrer por esse tipo de detalhe que a vida insiste em criar, a felicidade dessa noite é notar o quanto eu soube o que é ser bem tratada. Talvez por isso seja tão difícil olhar para as pessoas e achar gentileza nelas. Sou dessa massa de pessoas que ainda não começou a economizar sorrisos, nem convites. Eu ainda quero a companhia do mundo e se essa companhia vir sorrindo, ótimo. É triste ver que as pessoas não merecem o nosso convite: nem para tomar uma cerveja, nem para entrar na nossa vida (convite esse que já vem embutido lá, naquele sorriso, que eu acho avareza demais economizar).
Mas que mundo mais desconfiado que tem medo do sorriso, do abraço e do convite. Ainda hoje fico abismada com o medo que o compromisso causa nas pessoas, essas mesmas pessoas que mal percebem o quanto são compromissadas com a própria insegurança, com o próprio medo de assumirem que não são, de fato, aquilo que a pessoa que lhes convida imagina (ou quer imaginar, que de sonho e ilusão é que são feitas a maioria das relações).
Esqueço por um instante do homem de verdade e olho para o lado, olho para as mulheres que, de uma maneira ou de outra, fazem parte da minha vida. Quanta mulher incrível eu conheço e quanta dor elas carregam. Acho que só uma mulher é mesmo capaz de sofrer tanto assim, por nada. Não que sejamos bobas (mas somos um pouco), mas porque é de nossa natureza esperar. Nosso lado penélope fia e espera amor, fia e espera saudade, fia e espera respeito, vai ver porque a gente sempre tem, ainda que torto e mal feito, um lado muito delicado, quase botânico: e vencidos os espinhos, a gente quebra fácil. Mas com água e um pouco de luz, a gente sempre reanima e se porta forte, cheirosa, receptiva. Queria pegar essas dores e transformar tudo em óculos mágico que mostrasse, na realidade, o muito pouco que elas perdem...
Quanta dor eu ainda vejo por detalhes tão pequenos, por pessoas tão ruins, por gente que ainda não aprendeu a relação lógica entre gentileza e humanidade. Todo mundo deveria saber como é ser bem tratado, e, mesmo que entre grosserias e maldades, eu vou levantar sempre a bandeira do mimo e do carinho. Não que eu queira de troco o compromisso, mas eu vou esperar sentada a gentileza, em cada relação que eu criar. Vou oferecer mais um gole, vou chamar para mais uma cerveja, vou dizer, aos quatro ventos, o quanto eu quero que essas mulheres se libertem dessa dor e que não economizem batons nas golas do carinho, nem perfume no colo do respeito, e que venham, despudoradas, chorarem ao ombro daquela pessoa que não precisa mais mentir para parecer sincera. E sabe o que mais que eu ia dizer? Que a nossa foto, assim sorrindo, ainda é linda.
quarta-feira, outubro 12, 2011
sapato novo
Olhava para o sapato novo buscando um bom motivo, naquele sapato que ainda machucava seus dedos, para estar assim triste, assim feia. Estava convencida que beleza era questão de estado de espírito, e sabia que as suas olheiras denunciariam se a noite tinha sido molhada por álcool ou por lágrimas. Forçava sorrir, mas nem sempre saia aquele sorriso cheio de dentes. O sorriso meio forçado podia ser facilmente confundido com uma radiografia para o dentista, que criticaria sua mordida. Ela nem ligava, os dentes sempre fizeram bem a sua função e não deixaram qualquer pedaço de carne inteiro, ou pescoço abandonado. Que pena, não era a tristeza que lhe perturbava - se fosse, a certeza de morrer de dor e de amores tiraria do peito o desespero do marasmo. Era um pouco de apatia, de coração vazio. Há muito tempo não se acostumara a sentir o nada. E que coisa sem graça é sentir coisa alguma. Tinha sono, que droga. Deu-lhe saudade da insônia, da dificuldade de dividir seu espaço, da ansiedade do dia seguinte. Não ia acontecer nada no dia seguinte, tudo bem. Tinha bons livros, tinha bons amigos, tinha a sua cerveja. Em algum momento isso tudo junto voltaria a ser furor - que não demorasse, há muito tinha aprendido que sem nós, nenhum eu se diverte.
sábado, outubro 01, 2011
Fecho três vezes os olhos como em um ritual quando quero desviar o pensamento de alguma coisa. As letras horríveis nas folhas marcadas de vermelho me confundem, e o risco que às vezes sai do controle na lateral daquela folha me lembra o seu braço, quase sangrando. Que sorte a dessas pessoas que conseguem manter-se alheias aos prazeres efêmeros. Eu não. Meu sorriso ainda se sustenta por horas depois daqueles dois segundos que sintetizam quase a vida inteira: comer com os olhos sempre foi meu prato predileto. Sinto uma fome quase insuportável, mas fico em dúvida constante de que parte do meu corpo ela vem. A salivação é a mesma. E do mesmo jeito eu tremo, eu me contorço e faço da minha boca caminho direto. Eu sacudo a cabeça, aperto as minhas próprias pernas, respiro fundo. Fecho três vezes os olhos. Não leva mais do que alguns segundos para eu retomar a concentração, empunhar com força a caneta vermelha e continuar rabiscando, pontuando e exigindo.
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