É como se você estivesse aqui. Eu to gargalhando das suas piadas sem graça e da sua cara de tédio. Você reclamou de novo da minha comida, fica dizendo que sempre fica sem sal. É claro que não é tão boa quanto a da sua vó, não precisa me lembrar disso. “Ela não me manda lavar a louça!”. Claro que não, ela não mora numa república!
Parece que você ta aqui, lendo, enquanto eu tiro o meu cochilo pós almoço, deitada na sua barriga e ouvindo a sua digestão da minha comida sem sal. Eu gosto de dormir assim, me acalma porque é o barulho que me lembra que você continua comigo, não importa a besteira que eu diga, ou a falta de sal na comida.
Eu não encontro a minha saia, enquanto você ri da minha promessa para São Longuinho. “você nunca cumpre suas promessas”. Não mesmo. Eu tinha me prometido não me apaixonar de novo.
Seria bom se você tivesse aqui, você ia rir da facilidade com que choro, ia me chamar de manhosa e mandar eu mostrar o machucado…”Não é nada”, você me diria passando o remédio e me dando beijinhos estupidamente rápidos e estalados que fariam cócegas na minha bochecha, e me fariam rir, mais uma vez.
Eu sempre fico ansiosa pela noite, como se você fosse chegar em casa, imitar o Dino e me chamar com algum apelido idiota que você vai pensar na hora. Você vai fingir que não percebeu que eu sai antes da aula para me arrumar e te esperar, fingindo que a roupa foi escolhida ao acaso e que eu não tinha sequer me arrumado. Mas o brinco não nega. Você perceberia que eu coloquei o brinco que você me deu. E não era por acaso.
Eu te sinto aqui, é maluco, eu sei. Mas as vezes eu leio em voz alta um trecho do livro que você ia gostar. Ai eu começo a rir imaginando você interpretando um personagem do machado. Ai eu paro de rir, claro. Não tem graça, eu to sozinha, com o dedo machucado, sem beijinho estalado e comendo sozinha, vestida com a primeira roupa que eu achei, uma comida sem sal.
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