Olho pra você e vejo exatamente tudo que eu preciso, na dimensão exata do que me propus, um dia, procurar. Tremo absorta, você é um acerto tão grande de probabilidades que parece um erro, tipo a questão mais fácil do vestibular, que sempre tem cara de pegadinha. Eu sei de pelo menos 5 pessoas que gostariam de estar no meu lugar agora e, ainda assim, sou completamente incapaz de fazer algo direito. Olho pra você e é como se você quisesse que eu ficasse quieta, que não dissesse coisas tão injustas. Nosso senso de justiça é diferente, temos limites opostos para o que chamamos de justo. As minhas causas são só consequências pra você e ficamos diante do mesmo dilema todos os dias: como é que você pode me amar assim? Eu não sei, e se eu soubesse bem provável seria mais fácil para nós dois, mas essa dúvida me consome tanto - e tantas vezes- que fico completamente perdida. Você ainda me admira? Fico me perguntando se essa cabelo médio e essa profissão pouco enriquecedora não te fazem me olhar como mais uma. Convenhamos, eu era mais charmosa, antes. Meu atrativos eram mais e outros, mesmo que minha conta bancária fosse bem menor. Dei uma risada alta escrevendo isso, tenho amigas que achariam um absurdo essa relação de oposição. Volto a olhar pra você, deitado no escuro, na minha cama. Eu te vejo melhor no escuro, combina mais com o seu silêncio. A cama tá ficando velha, eu acho que eu também. Enquanto você parece que parou no tempo e continua ali, tão bonito e vivo, que seria até pecado eu te obrigar a me acompanhar. Quantos dias seus eu ainda vou estragar?, fico me perguntando enquanto passo os dedos machucados nos meus cabelos já começando a esbranquiçar. Eu 'tou cansada, eu sou um erro antiquado com cara de vintage. Eu engano, assim de óculos de sol e batom vermelho, até parece que eu vou surpreender. Mas não, nem as minhas dedicatórias te surpreendem mais. Vou embora sem enxergar direito o que você quis me dizer à distância: faz muito barulho em volta de você e os sorrisos no ar, igual no filme da Alice, me enlouquecem. Eu não consigo te ouvir, e você não pode reconhecer minha voz. Amanhã vou te perguntar se a festa foi boa, você vai dizer que sim, e, nesse mesmo instante, os sorrisos de gato da Alice vão surgir a sua volta, lambendo a boca e me lembrando, como se eu fosse realmente louca, do que eu perdi enquanto mantinha meus olhos voltados para baixo, bisbilhotando meu próprio decote, tentando me encontrar.