Ele era Ele. Não podia dar a ele um nome que não fosse Ele. Até porque Ela, por ser Ela, tinha problemas em nomear as coisas, os sonhos e os sentimentos. Ele descobriu Nela que não fazia sentido esperar que as coisas ganhassem nome. E que a vida ganhasse forma. Ele não tocava violão porque não conseguia se livrar do fardo de ser canhoto. Ela era ambidestra, pintava com a esquerda e desenhava com a direita.
Ele tinha um sorriso lindo, que Ela até tinha pena de cobrir com beijo. Mesmo assim, tapou o sorriso dele com uma gaita e disse “toca”. Ele demorou mas com uns treinos até produzia alguma coisa parecida com música. Ela achava que tudo podia ficar guardado naqueles centímetros de boca: seu sorriso, seu beijo e agora sua música.
Ele não sabia dançar, não sabia cozinhar, não sabia fazer um elogio.
Ela queria dançar até o corpo cair no chão. Ela queria ouvir que os olhos dela, míopes, escuros e cheios de olheira eram os mais bonitos que ele já tinha visto.
Ele ainda não reparou nos olhos dela.
Ele tava querendo achar um jeito de mudar o mundo e ela insistindo para ele mudar de camiseta. Ela ia acumulando sonhos de conhecer o mundo e ele acumulando louça naquela república bagunçada, onde ela queria acordar todos os dias.
Ele tinha que ler. Ela tinha que estudar. Ele odiava se apaixonar. Ela procurava paixão em cada esquina. Ela convidou pra ver um filme. Ele queria um documentário, ela queria uma ficção científica.
Ela somou os nomes, os signos, as idades.
Ele acha o nome dela longo, não acredita em astrologia e sempre preferiu mulheres mais velhas. Ele pediu pra ela voltar mais cedo e parar de fumar. Ela chegou em casa de manhã e cheirando a cigarro.
Ele resolveu que estava tudo acabado. Fechou o livro, a porta, dobrou o lençol da cama.
Ela pediu mais uma chance de ouvi-lo tocar gaita. Só mais uma música e Ela ia embora…
Ele tocou o acorde final, que Ela não conhecia. Ela foi embora e Ele nunca a conheceu.
6 comentários:
O caminho que a pessoa deixa de escolher é sempre aquela curiosidade de saber como teria sido. é pra isso que existe o futuro do pretérito.
adorei, como sempre.
aaahh mas ele vai conhecer!!! agosto ta aí... e vai ser um bla bla bla dessas coisas de teologia no call.. DELS, quero nem ver!
Já comentei pessoalmente meu real apreço por tal escrita, a qual está guardada fisicamente.
A dificuldade de aceitar as diferenças as vezes é maior que o amor que se sente, e por estar tão perdido em si mesmo não se enxerga quem está ao lado...
Gosto muito do que tu escreve ;D
"Ele era Ele. Não podia dar a ele um nome que não fosse Ele. Até porque Ela, por ser Ela, tinha problemas em nomear as coisas, os sonhos e os sentimentos. Ele descobriu Nela que não fazia sentido esperar que as coisas ganhassem nome. E que a vida ganhasse forma."
Você definiu meu caso paulistano exatamente nestas palavras.
Linda!
Confesso que a primeira vez (de muitas outras) que você fez meu coração bater mais forte foi quando li esse texto.
Confesso que comecei a desconfiar a partir deste texto, mas só assumi quando você foi direta.
Confesso que por causa de outro texto mais a diante, nunca tive coragem de ler nenhum texto que vem antes deste aqui. E nem quero.
Te conhecer foi, sem dúvida, uma das melhores coisas da minha vida.
Por isso eu não canso de repetir, diariamente: eu te amo Marcella.
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