Quando vi Júlia a primeira vez. Meus Deus. Ela usava uma meia-calça rasgada no joelho e o cabelo preso em um rabo-de-cavalo alto, bem alto, quase em cima da cabeça. Do rabo saiam uns fiados que lhe desciam pelo rosto. Branco, pálido, com apenas as bochechas rosadas e boca vermelha. Tão vermelha como eu nunca tinha visto antes. Naquela luz eu só via Júlia. Sentado naquela cadeira eu só via Júlia. Na minha respiração, no meu tato, no meu sono na manhã do dia seguinte eu via Júlia. Desde quando conheci Júlia eu comecei a ter raiva das outras mulheres, que pareciam uma falta de respeito andando descontraídas, enquanto Júlia estava cansada. Ainda que eu adorasse ver Júlia cansada, porque a sua respiração ficava difícil e seu peito arfava, fazendo uma dança linda com o seu decote. Toda noite eu ia ver Júlia. Comecei de longe, até parar quase encostado nela. Sabia o que ela ia me dizer. Dizia, com uma outra modificação, as mesmas coisas todos os dias. Fazia os mesmos gestos e recebia os mesmos aplausos. Os meus. Nas sextas-feiras, talvez por falta do outro-que-fazer, os meus aplausos eram engrossados por umas quatro outras mãos. Mas ninguém aplaudia a Júlia como eu aplaudia. Minhas palmas eram frenéticas, cheias de um tesão que se desconhece em mãos desapaixonadas. Júlia sorria pra mim quando eu me levantava pra aplaudir de pé sua existência. Houve um dia, que a primeira fileira começou a ser pouco pra mim, eu quis subir naquele palco e levar Júlia embora comigo, era tanto que me doía vê-la só durante a noite. Esperei os aplausos acabarem, e, como era apenas eu que aplaudia, quase não tive que esperar. Esperei Júlia sorrir, e como eu amava aquele sorriso, quase não senti o tempo passar. Assim que ela derrapou pra dentro daquele palco eu me meti por detrás das cortinas e andei aqueles corredores sujos desesperado por ela. Corri. Corria e gritava pelo nome dela. E não encontrava. Júlia, meu deus, Júlia. Quando já saia desconsolado, parei em frente a porta daquele lugar imundo, que um dia – disseram – havia sido um respeitável teatro, para sentar um pouco e pensar em como ficar com Júlia quando eu ouvi sua voz que me dizia, OI?. Quase não acreditei, me virei de uma vez e me assustei porque não era Júlia que estava na minha frente. Talvez uma irmã, talvez uma prima, talvez uma impostora ridícula que imitava minha musa. É você que vem me assistir sempre né? Não, minha senhora, eu venho ver Júlia. Ah, claro, bom saber que você gosta desse personagem, já que fui eu mesma quem escrevi. Eu nem escutava o que ela falava, achava ridícula aquela mulher de cabelo solto e vestido até o pé, com a boca descolorida. Eu me perguntava meu deus quem é ela? Cadê a minha Júlia? Meu deus será que essa é a minha Júlia? Meu deus quem é você? Prazer, eu chamo Maria.
Eu sai andando. Aliviado! É claro que ela não era Júlia, a minha Júlia. Amanhã, quem sabe, eu consigo falar com ela.
Um comentário:
menina! perdi o fôlego. bom demais! o movimento, a pulsação... (!!!)
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