sexta-feira, novembro 17, 2006

Rosas cinzas. Grafites de sangue.


...e o menino sem coração começou a ler poesia, e a poetinha, começou a pensar em dinheiro. Logo, muito logo, eles fingem que são um só e partem pro mundinho comprado por ele e enfeitado por ela...

Porque ele queria dinheiro e roupas, e ela flores. Mas não dessas flores sem perfume de lojas sem graça. Ela queria a flor da casa do vizinho. Aquela que vem com o espinho roubado, e a pétala machucada de muro pulado. Ele queria alguém que mudasse o seu caminho. Torto caminho ávido por mudanças, ainda que estas entortassem mais aquela vida. Ele, de certo, era resistente ao sorriso dela, mesmo que ela sorrisse o tempo todo. Enquanto ele ia atrás das cifras, ela escrevia um romance. Ele não valia nada, ela perdia valores. Ele gostava de chocolate. Ela também. E no sonho em que se conheceram não precisaram disso pra perceber que no fundo, naquele fundinho cheio de açúcar do copo de leite, eles tinham algo em comum. Ainda que ele falasse em inglês quando bebia e ela recitasse poesia pra embebedá-lo. Ele não tinha tempo pra rascunhos. Não sabia voltar no tempo, pra ir além. Só sabia olhar pra frente. Pobre dela, que andava de costas, com o coração no passado e a cabeça no futuro. Ambos, entretanto, necessitados do presente. Ela o convidou pra escrever uma história. Não a deles, mas a de todos. Ele a convidou pra não fazer nada. Viveram de indiretas, enquanto as indiretas sobreviviam deles. Ele queria confiança. Utopicamente, esperava o dia que seus valores cairiam por terra, pisados pela pessoa que os trouxesse. Ela confiava, cegamente, desde o primeiro oi. Não porque ele fosse confiável, mas porque ela era ingênua quando queria acreditar no mundo, num mundo que ela fingia que existia. Foi, contudo, acumulando mágoas, assim como se acumulam louças numa república mista, foi se perdendo até não acreditar que desacreditava. Ela esperava um metaleiro, barbudo, dizendo que iam sair daquela vidinha interiorana. Ele tinha rosto de menino. Ele esperava uma boa companhia pra um bom vinho, numa boa noite. A noite foi boa, o vinho barato e a companhia, ainda assim, permanecia. Porque talvez aquele sorriso fácil e aquele jeito contraditório fossem os únicos meios de se entender, por meio de um espelho às avessas. Já que eles não tinham nada em comum, a não ser a vontade de serem idênticos.

[Eu sei que parece um pouco a história do Marcelo e da Vitória, mas a gente nunca sabe quando o que a gente inventa, acontece. Grata ao meu amigo, que trouxe idéias e, mais que tudo, inspiração pra esse texto e fôlego pra minha vida]

Batatais, 17 de novembro de 2006.

Ilmo. Desespero.

Tenho convivido muito com o Senhor. Há dias penso em lhe escrever, mas não tive coragem suficiente. E no nosso encontro diário, andei substituindo palavras por lágrimas. Pedir, para mim, é sempre difícil. Sou orgulhosa demais pra dizer aos outros que preciso de ajuda. Entretanto, Senhor Desespero, já não sei conviver sem dizer-lhe o que sinto.

Eu não o amo. Nunca amei. Eu não o quero. Nunca quis. Então diz por que, diariamente, vem você me ver e me tomar pra si? Então explica, porque já não entendo a razão pela qual me faz sua, sem que eu permita. Eu não suporto mais a sua presença. Eu não suporto seu hálito azedo. Não vou mais cair nos seus braços.

O Senhor roubou meu sono, minhas unhas pintadas, minha aparência saudável. Tirou de mim os amigos e os amores. Fez-me totalmente sua. Egoisticamente sua. Sei que agora vive com a minha alegria, e eu sobrevivo com a ausência dela. Devolva-me um pouco do tudo que eu tinha, e eu ficarei grata. Imensamente grata. Não fuja com meus olhos, deixando as olheiras expostas. Não suma com o meu sorriso, deixando a boca murcha sussurrando alguma música, que sobrevive da memória que o Senhor ainda não apagou. Fica, Senhor meu, se for pra ficar em silêncio. Do contrário, vire as costas e parta. Que por essa despedida tenho esperado todos os meus dias.

Não vou o acusar de mais nada, caso o Senhor contente-se em ir embora. Apresento-lhe a porta de saída, desejo-lhe, inclusive, uma boa jornada. Apenas peço, busque outro canto pra repousar. Porque as minhas costas não suportam mais o seu peso.

Atenciosamente,

Marcella.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Ainda, ainda que não acredite

Eles não tinham absolutamente nada a ver. Vitória tinha os cabelos curtos, estudava literatura e ouvia bossa nova. Marcelo tinha o cabelo longo, professor particular de matemática e apaixonado por metal. Um dia se viram, sem se conhecer. Nunca se conheceriam, eram opostos demais pra isso. Foram se descobrindo. Marcelo queria uma mulher prendada, ficou com uma moderna. Vitória queria um príncipe e Marcelo só criava sapos. Levaram a vida sem levar nada dela. Se acostumaram com os vícios, ainda que Marcelo não suportasse o gosto de cerveja de Vitória, e mesmo que vitória odiasse a cara desbarbada de Marcelo. Conviveram, viveram, voaram. Vitória sem se acostumar com a racionalidade de Marcelo, mas deixando que esta melhorasse sua rotina maluca. Marcelo permitindo que a maluquisse de Vitória desestruturasse a sua equilibrada e insossa vida. Não adiantava misturar muito. Vitória era fermentada, Marcelo destilado. Vitória era marchinha de carnaval, Marcelo era marcha fúnebre. Nunca seriam miscíveis. Alguns outros meses passaram. Vitória era vermelha, Marcelo era cinza. Vitória dançava, Marcelo dormia. Vitória era pôr-do-sol, Marcelo amanhecer. Ela pedia, ele esperava o subentendido. E eles só precisaram de uma cama e quatro olhos... Vitória deixou o cabelo crescer e Marcelo cortou o seu. Marcelo tirou "Minha Namorada" na guitarra, e Vitória cantou Led Zeppelin pra ele. Criaram um mundo. Vitória aprendeu a dormir abraçada e Marcelo a acreditar em poesia. Não tiveram um final feliz, porque não chegaram a fim nenhum. Não que simplesmente não tivessem objetivos, Marcelo até tinha, mas aprendeu a esquecê-los para se lembrar de Vitória.
Essa história é inventada. Mas quem que não inventa a própria história?

terça-feira, novembro 07, 2006

E não viveram felizes para sempre

"e ninguém dirá que é tarde demais, que é tão diferente assim.. Do nosso amor, a gente é que sabe, pequena!"
Último Romance-Los Hermanos.


Mandaram que ela escolhesse. Entre um e outro, não ficou com nenhum. Talvez porque já perdera tempo demais voltando sempre na mesma escolha. E quando se viu livre de qualquer pensamento capaz de confundir a cabecinha. Parou. Atônita. Eis que vinha, de um não sei onde para não se sabe por que, mudar sua vida; e mudou. Como nunca ninguém havia mudado. E bem se sabe que mudanças não são sempre bem vindas. Há, entretanto, quem acredite que só mudando o ser humano evolui. Pois não deixou de ser evolução. E foi tomada pela certeza de que, finalmente, se apaixonara. Falou de casamento. Desprezou idades. Buscou um sonho. E como toda boa realidade levou um tapa ardido do destino na cara... e chorou, chorou, chorou. Procurando lágrimas no mais fundo do seu corpo. Tirando da própria alma toda a dor que sentia. Pensou que cairia. Não caiu. Provavelmente, se ela fosse você, desistiria. Mas não desistiu. Tinha em si, e nos amigos, muito mais energia do que supusera. E se recompôs, sem, entretanto, livrar-se daquele sentimento que já tinha feito de teto o seu coração. E que belo coração ela tinha. Grande o suficiente para parecer um palácio à qualquer paixão, madura ou não. Descobriu, então, que precisava se apaixonar. Perdeu-se em sentimentos, sem saber exatamente se o amava, ou se amava o amor que tinha por ele. Amava os dois. Ele, por ter dado a ela a oportunidade de conhecer aquele tal amor, dos romances baratos de bar-de-esquina, que sendo baratos e chulos são verdadeiros. Verdadeiros, principalmente, porque ela era a prova viva de que amor não escolhia cor nem idade. Que dirá a raridade das palavras ou a própria literatura. Nem vontade, nem tempo e, menos ainda, circunstâncias. É bem capaz que se tivesse tudo pra dar certo, sequer aconteceria. E agora, que nada se encaixava, perdia os dias pensando numa realidade distante. O ser humano talvez fosse exatamente aquilo. Viver da saudade do sonho que não aconteceu, rememorando lembranças de coisas pequenas, que cismamos em aumentar infinitamente, pelo mero prazer de dizer: eu vivi uma história de amor.
E quem vai dizer que não foi?


[Helen, esse texto é todo seu]

segunda-feira, novembro 06, 2006

Mefistófeles adolescente

Vamos todos falar de vestibular. Vamos todos culpar o vestibular. Está cansada? É culpa do vestibular. Não come bem? Anda comendo demais? Maldito vestibular. Perdeu o namorado, chifrou a namorada? Ai, cada coisa que faz esse vestibular. Não tem mais vida social, não vê os bons amigos, não sai pra beber cerveja? Se não fosse o vestibular, seria diferente...Desaprendeu a gostar? Anda individualista? Olha pra árvores é vê Gimnospermas? Olha para o copo de cerveja é vê etanol? Pois bem, é culpa do maldito. Esqueceu de fazer as unhas? As pernas não estão depiladas? A cara cheia de espinhas? V e s t i b u l a r. Ah, já sei. Adquiriu Gastrite Nervosa, tem ataques epiléticos, perdeu as unhas de tanto roê-las? Vestibular, vestibular. Anda com cor de geladeira? olheiras enormes? É cômodo culpar uma prova... Não que eu não ache extremamente desumanas as situações a que somos submetidos, mas, chega. Isso quase um texto pra auto-persuasão, eu preciso entender que a culpa não é do vestibular. Se as unhas estão mal feitas e as pernas não depiladas, foi descuido. Se a gastrite dói, você que ansiosa demais. Engordou? É gula da sua parte, e mais ninguém. As espinhas são da idade, e bem, o que é um nome? Certamente as árvores andam cansadas de serem chamadas de árvores, Gimnospermas é um bom apelido pra variar. Se você tá cor de geladeira, é porque não foi na piscina, simplesmente. E olheiras, pobre idiota, são da sua descendência árabe, e ficam um charme no Benício Del Toro, porque não em você também? O álcool? Anda vendo etanol? Melhor, assim você não se esquece que ele inibe o ADH e que prejudica seu organismo. Desaprendeu a gostar das pessoas? Isso é só egoísmo da sua parte. Individualismo? Mera defesa de um coração machucado. Grosseria, mau humor, canseira? É saudade de um bom beijo.
No fim, você ainda recebe um bilhete dizendo que ele acredita em você, e o vestibular, [quem é esse?] volta pra sua real posição: uma prova.

domingo, novembro 05, 2006

Bilhete pro amigo

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...

Mário Quintana

Eu vou lhe escrever esse bilhete. Assim, com essa letrinha bonita, de quem tá de ressaca. Nele vai ter a solução dos seus medos, a confissão das suas vontades. Quando você acabar de ler, não vai ficar com saudade, nem vai pedir outro, só esse será suficiente. No meu bilhetinho, eu não vou terminar com um 'eu te amo', nem vou começar com 'caro amigo', mas você vai se sentir amado, mesmo assim. Eu não vou lembrar que você é importante pra mim, porque isso você já deve saber, nem vou prometer que as coisas vão dar certo. Elas sempre dão, faltamente. Principalmente com você. Lembra, amigo meu, daquele dia? Lógico que não. Não tivemos um dia. Mas lembra daquele lá? Deste você se lembrará, porque ele ainda está por vir. Amigo, eu sei que a vida não tem tomado o rumo certo. Mas eu tomo cerveja, você toma vinho, e a vida toma jeito. Não se preocupa. Hoje, eu não sou bonita quanto meus olhos já viram, meu sorriso anda meio amarelado, manchado com as coisas ruins da vida. Desacostumado a sorrir. Mas o seu não. O seu, ainda que discreto, permanece aí. Porque eu não vou deixar tamanho sorriso fugir. Eu ainda sou míope, meu querido, e continuo forçando os olhos pra vê-lo. Porém, não há de se preocupar, porque você me vê bem, e não se esforça pra me entender. E não é que entende. Talvez porque somos amigos. Se sente bem agora, amigo amado? Não. Entretanto, a promessa foi cumprida. Porque se não melhorou a sua alma, a minha, ao menos, salvou.

Um beijo no queixo, amigo. E juízo na cabeça.

sempre sua,
amiga,

sexta-feira, novembro 03, 2006

- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
- Você é louco?
- Não, sou poeta.

Mário Quintana.


Estranho quando a gente percebe que as nuvens mexem no céu, e que na verdade a Pópis e a dona Florinda são a mesma atriz.
Também não é legal saber que a Xuxa fez filme erótico, que a Mara maravilha virou crente e que a vovó Mafalda e a velha surda não passavam de homens sem barba.
Legal é descobrir que quando é noite aqui, é dia lá na china, mas triste é quando lhe contam que nunca daria pra chegar lá cavando um buraco.
Horrível é perceber que seus pais têm vida sexual, e sua mãe, ao contrário do que você sempre achou, não é mais virgem. E que você, pobre tolo, não nasceu de um repolho.
Ver a santa da sua professora de primário fumando, pode ser pior do que quando te contaram que já existiu uma guerra mundial.
Bons tempos em que se acordava as 7 da manhã, passava o dia inteiro na piscina, dormia só as 11 e no outro dia, novamente as 7 estava-se de pé e com disposição total.
Divertido trocar todo dia de paixão.
Não é fácil entender aos 12 anos de idade que aquele sangue no meio das suas pernas não é perigoso, e pior ainda é pensar que aquilo vai acontecer todo mês.
Pêlos na perna não são bem-vindos, e pessoas cobrando que você os tire, muito menos.
Surpreendente reparar que o Beakman era dublado, e que as cartas que ele recebia, não existiam de verdade. Engraçado é lembrar que você aprendeu que beijos têm língua no “confissões de adolescentes” e que morria de medo que a língua presa atrapalhasse.
Nunca se entende porque todo mundo ria quando você dizia que a sua barbie tinha 17 anos, era modelo e com uma foto ganhava o sustento do mês inteiro, e claro, tava no terceiro ano de faculdade de medicina.
Dá um pouco de medo de crescer. De ir no bar e não ser a mais nova de lá, de pensar que ano que vem você já vai ter 18 anos e vai poder dirigir do jeito que, aparentemente, só seu pai podia.
E a coleção de boneca?e as pantufas? E o colo da mamãe? E o fato de deixarem eu chorar porque eu era criança?
Dá medo. Mas dá muito tesão de encarar a vida.

[e aqui fica um beijo pra Gabie]

quinta-feira, novembro 02, 2006

Foi, como dizer, assim. Comeram, beberam, quiseram dormir. Quis, especificamente. Mas ele não deixava. Ela, no fundo, não queria que ele deixasse. E aproveitaria cada beijo nas costas, sem se mexer, se não fosse a vontade absurda de brigar com o rapaz. Brigar, meramente, pra poder reconciliar, e ir, assim brigando, assim voltando, até enjoarem de brigar e mergulharem numa pacífica monotonia. O gosto da pizza ainda tava na boca, misturado com o cheiro do vinho barato, que deixava a boca vermelha. Vermelha de uva ou de tanto mordida, já não sabiam. E nem se preocupavam em saber. Virou-se pro lado, fez-se rogada e disse que dormiria, que a deixasse em paz, agora. Ela, sabendo que isso não aconteceria, ele, sabendo que ela não queria que isso acontecesse. Enrolou sua mão na cintura dela, puxou-a pra mais perto. E foi, assim com a mão, e assim com a boca, convencendo que eles tinham a vida toda pra dormir, e nem mais um minuto pra não ficarem o mais próximo possível. ‘não presta’, pensou.‘Presto eu, menos ainda’, e então desistiu de dormir, mas não abriu os olhos, com medo de que aquilo fosse outro sonho.