Eu ando com saudade de mim e dói de uma maneira permanente e contida: não sinto que vou explodir, não, mas essa saudade nunca passa. Goteja, igualzinha a torneira da cozinha: e eu sempre acho que só pra me irritar. Não que essa que eu sou hoje não seja exatamente aquela que eu planejei ser. Chegamos no ponto que eu nunca quis chegar: adoro ser tal qual eu sou e fazer da maneira com que faço e é isso que me irrita. Lembrei-me daquele desenho que ficava no quarto bagunçado da antiga república, que dizia, em espanhol: Cuidado com que desejas, que o universo te concede. Que delícia: não nego que há pelo menos quatro anos consigo tudo que desejo com vontade extrema. Acontece que depois, e só depois, eu paro para tentar entender até quanto do meu desejo é suportável pelos meus próprios ombros. Não é, nunca será. Porque do mesmo jeito que eu como um pedaço de pizza a mais do que eu aguento, eu desejo mais do que realmente quero. Pode ser ganância, pode ser ansiedade, pode ser gula de comer a vida com todos os temperos que ela me permitir. E eu reinvento a mim mesma: tenho saudade de quem nunca fui. Já tive menos trabalho, mais tempo, menos whisky e mais cerveja, mas eu sempre fui desse mesmo modo. Que erro! Porque eu mudo os cabelos, os sapatos e troco a cor do batom, posso até fazer reeducação alimentar e parar de comer tanto queijo, mas essa fome de mundo nunca passa e eu vou continuar mastigando meus próprios dias, transformando-os em noites extensas e sonos escassos, só para ter a certeza que tudo que podia ser meu de fato foi. Nem que depois passe. Ainda que depois eu vomite...