Uma vez, enquanto escorria água quente pelas minhas costas e eu decidia qual shampoo usaria naquela noite, tive uma epifania tão clara e lúcida que parecia explicar todo o universo: banho cura tudo. E, de fato, cura muita coisa. Dentre as sabedorias populares que mais me agradam, a de que banho alivia mal estar tem pontos garantidos no meu rol de conselhos inúteis em momentos inoportunos. Banho cura bebedeira, como também cura ressaca. A temperatura é que nunca é a mesma. Banho conforta, quando se tem que buscar algum tipo de calor imediato e deliciosamente silencioso. Banho parece conseguir esmagar toda aquela sensação de imundície depois de pegar seis ônibus em um dia ou de conversar muito com pessoas pouco sinceras; aliás, falsidade é umas coisas que a minha bucha vegetal anda espantando com frequência.
Banho lava a cara e o cabelo da gente, limpa as costas da grama que a gente deita e do peso que a gente carrega: por quinze minutos (e a água do mundo agradece que sejam não mais que quinze) o mundo se resume a deixar ir pelo ralo o máximo de coisas possíveis, destas que impregnam com facilidade e causam asco a metros de distância. Elenco: coco de passarinho, banco de praça, inveja, giz de lousa, raiva, desrespeito, chuva e suor.
Dos poucos rituais que eu sigo, o banho é, de longe, o meu predileto: estabeleço ordens das coisas que vou usar para depois ter a alegria de invertê-las, mudá-las e sorrir para minha própria cara no espelho anuviado: eu gosto de banhos quentes e eles gostam de mim. E é assim, por meio de nuvens que duram menos de cinco minutos, que eu prefiro meu rosto; não tendo certeza de quem estou vendo. Porque, em verdade, banho cura tudo, mas não lava e nem escorre a verdade: no fim gente nunca fica limpo o suficiente.