Ser humano é uma folha de papel branca. A gente tem que sair por ai escrevendo nas pessoas; as pessoas. Tem gente que não sabe ser folha de papel, se fecha em capas limpas e não deixa ninguém encostar a caneta: gente que não gosta de ser história. Tem gente que prefere ser bloco de nota, tudo passageiro, tudo supérfluo, tudo para avisar, lembrar mas sem deixar memória. Eu escolhi ser só uma folha branca, solta. A mais branca que eu pudesse ser. Dessas que voam por aí em forma de aviãozinho e acabam sendo rabiscadas enquanto alguém fala no telefone. Gente tem que se deixar escrever, para nascer mais um livro nessa biblioteca torta e infinita que é a vida. A gente encontra por ai gente que é gibi, vive pequenas cenas, lindas e coloridas sem nenhuma trama complexa. Eu, no fundo, só fujo de quem foge da realidade de folha de papel e se espreme, espreme, espreme até virar uma bolinha. Pimba: com elas a gente faz uma cesta no lixo, com direito a comemoração. Tem gente que não quer e nem sabe ser folha. Mas não adianta: ser humano, no fim, é uma folha de papel branca. Às vezes ela acaba suja, às vezes vira rascunho porém, inevitavelmente, todas são sem pauta, que é para gente poder escrever tudo torto: subindo e descendo as linhas que a gente teima em imaginar.
quarta-feira, janeiro 13, 2010
sexta-feira, janeiro 08, 2010
palavra dói.
Porque palavra, mesmo, tem que doer: sair rasgando os seus lábios, sendo dita com saliva e sangue. Palavra tem que consumir os dedos, coçar a palma da mão e sair, com esse comichão, fazer doer os olhos que lêem. Palavra tem que ser grito e sussuro, verdade e mentira, medo e coragem. Palavra é a única coisa capaz de fazer sentir ciúme, de fazer sentir raiva. Palavra machuca mais que beijo, mais que olhar. Palavra trai e perdoa. Palavra excita muito mais que o teu assopro no meu ouvido, muito mais que suas mãos suadas redesenhando meu corpo. Palavra repele, insinua, palavra mente. Mente, mente, mente. A mãe e o pai da mentira é palavra. O filhos da verdade também são palavras. Palavra não protege ninguém, não respeita nenhum sorriso, vem trazendo lágrima para tua felicidade. Palavra faz sofrer, dói, dói, tem que doer. Palavra quebra a coisa mais forte desse mundo: o silêncio.
sábado, janeiro 02, 2010
Eu sinto.
Ainda sai de minhas mãos, mesmo enquanto escrevo, o cheiro que tanto me lembra a sua boca quando suja de mim. Pego, hoje, nessa caneta como se segurasse o mundo entre os dedos, de modo que dessa caneta e, portanto, do mundo, pudesse desprender a verdade original, aquele motivo verdadeiramente autêntico: límpido. Há nesse cheiro o segredo da existência: minha, sua e de todos que acabaram afogados nos meus cabelos e perdidos na sua barba. E como se não fosse justo manter o cheiro, a caneta e o mundo só para mim, eu passo as mãos pelo seu nariz e pela sua boca, e peço que assim suas palavras cantadas, sussuradas e repetidas levem esse cheiro para todos que cruzaram por mim, pelas suas pernas e pelas nossas sombras. Da caneta e por isso do mundo sairão as palavras disformes, filhas do nosso cheiro: é assim, e só assim que o mundo pode ser (d)escrito.
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