terça-feira, novembro 18, 2008

Carta ao meu amigo desmemoriado

“Agora a sua percepção e sua memória eram infalíveis”

[Jorge Luís Borges, ao falar de Funes, o memorioso]

Hesíodo me jurou que a morte e o sono são irmãos. Me disse que deles, também era o esquecimento. Hoje, meu amigo, eu vim te dizer que você vai morrendo. Mais que todos, que também vão. Quase como se sua morte fosse uma a cada dia. E não uma só, que acontece aos poucos. A sua morte não é um pouco da vida que míngua; é um pouco de vida que não existiu. Você vai longe, eu sinto uma saudade...eu penso igual a moça daquele filme...parece que você morreu...eu te acordava toda hora, pra depois te dar uma morte, une petite morte, e você voltar pro seu sono sepulcral.

Você sempre teve que lutar para lembrar das coisas. Ou será que não lutava? Não sei até onde seu esquecimento era uma falha dessa sua cabeça sempre tão boa ou um escape proposital. Meu Funes às avessas.

Hoje resolvi pensar de que nos vale esquecer? Eu fiz tanto esforço pra me esquecer de você e hoje, quando a saudade me pede uma lembrança, eu não consigo. Faz tanto tempo, eu não lembro mais do teu cheiro, eu não lembro mais de como era o meu cheiro depois de você. Hoje eu só tenho a mim e a uma vontade de lembrar de você.

Será que a morte do outro é também o meu esquecimento? Será que só quando eu te matei de mim (dos meus olhos, minhas mãos, minha boca, minhas pernas) eu pude te esquecer? Será que eu volto a viver com a tua lembrança ou você para de ser letal quando for só lembrança? Hesíodo não me explicou.

Olha, eu perdi o sono. Olha, eu não esqueço. Olha, eu to viva. To viva, to lembrando, to acordada contando os dias pra fugir...eu vou fugir. Será que Hesíodo falou de ausência? Ausência é a prima mais velha do esquecimento. Ela não depende dele, nem ele dela. Mas eles adoram sair por aí...lado-a-lado, como um dia, (será que você se lembra?) a gente também esteve.

Quando você acordar dessa sua morte, me deixa lembrar daquilo que eu não esqueci.

Metis.

sexta-feira, novembro 07, 2008

E agora que eu caí nesse buraco, que não pára de me levar cada vez mais embaixo?
E agora que a minha respiração tá ficando fraca e a minha voz ta sumindo?
E agora que eu to me sujando, vou me misturar com a terra? Minha pele de lama, minha cara de merda.
E agora que já não se percebe a diferença de um sussuro e um grito?
E agora que eu prefiro você morto do que fugido?
E agora que você já não sabe mais em quem confiar?
E agora que você vê sua melhor amiga roubar seu par?
E agora que é mais gentil o silêncio do que a palavra?

A gente se cala. Ou grita?

A gente se ama, ou se evita?

A gente se desgasta...
gasta a saliva no que não se pode falar.
gasta lágrimas doídas querendo parar de chorar.
gasta cigarros inteiros sem conseguir fumar.
gasta o trago ligeiro sem brindar.

tim tim. E está servido o coquetel da minha falsidade com a sua hipocrisia.