segunda-feira, janeiro 21, 2008
Eu suporto dor. Suporto. Suporto sangue. Suporto. Suporto desrespeito. Suporto.
Suporto e vou me adaptando, vou mudando, vou aprendendo a gostar. Aí me vicío. Ai quero dor, sangue e desrespeito. Quanto mais desrespeito melhor. Aí se você me vier com palavras de carinho eu vou vomitar. Vou vomitar na sua cara. Você vai ficar cheirando vômito e eu cheirando desespero. Porque eu só pedi que me desrespeitasse e nem isso você foi capaz de fazer.
Sabe o que incomoda? É que a gente vai pra lama quando faz o que as pessoas querem. Mas a maior humilhação é fazer o que os outros querem por vontade própria. Por amor. Aí não é lama, é lava. É destruição. O ser humano não devia jamais agradar ao outro, porque só se queima, só se machuca, fica vulnerável.
Calma, Loucura, assim ninguém vai entender nada.
eu sou esquisita, mamãe. Lá no colégio ninguém quer ser meu amigo. É só ser gentil, minha filha, aí todo mundo vai gostar de você. Quando começa a gentileza começa a merda. E ela fede. E quanto mais você mexe nela, quanto mais você respeita, mais ela fede. Fede.
Mulher, me diz por que é que você não sente?
Loucura, eles não entendem, Loucura, eles dizem que eu não sinto.
Eu sinto lhe informar, rapaz, mas eu sinto. Eu sinto seu cheiro. É a morte. Eu to caindo nesse poço maldito que você me tortura. E eu sei, por deus, eu sei que só você tem a corda pra me puxar de lá. Seu filho-da-puta. Fosse outra, uma amiga, você tinha ajudado. Mas eu... você joga água, quem sabe assim eu não afogo mais rápido.
Eles querem me matar, Loucura, não deixa.
Mas hoje eu vou mudar, meu caro, belíssimo, e detestável rapaz, hoje eu vou mudar. A outra que você esbofeteava com teu bom e carinhoso respeito ficou lá no poço e só voltou uma outra. Sem vontade de ser boa. Viciada em desrespeito. E eu vou desrespeitar você. Eu vou sim. E você nem vai saber. Aos poucos vai ver ir embora o meu ciúme, e você não vai entender. Eu vou fria, distante, e você não vai entender, e quando você tiver totalmente confuso eu vou te entregar de bandeja pra minha loucura. É ela que me salva de você.
Come ele, Loucura, come ele. Mastiga. Depois vomita ele em cima de mim, que sem ele eu não tenho paz...
sábado, janeiro 19, 2008
quarta-feira, janeiro 16, 2008
É tudo uma questão costume. E de educação, é claro. ‘não sente assim, minha filha, vai aparecer sua calcinha’. ‘respeite os mais velhos, menina’. ‘não fale de boca cheio que é muito feio’. E assim foi indo. Ela sempre obedecendo ao que mandavam. Sempre, nunca trouxera qualquer desgosto para a mãe. Seu orgulho aquela garota linda. Nessa de respeitar os mais velhos nunca contou pra ninguém que o tio-avô pedia pra ver se os seus peitinhos tinham crescido. Ela deixava, já que ele era mais velho. No começo não gostava, tinha nojo, mas depois se acostumou. Quando ainda tinha 8 anos, se apaixonou pelo primo, que tinha 9. Eles iam casar, ele prometeu. Mas a mãe ficou com medo deles brincarem muito de médico e separou os dois. Ela chorou, sofreu, mas não reclamou com a mãe. Ela se acostumou, como sempre se acostuma. É tudo questão de costume. Ela quis aprender a tocar violão, mas se acostumou com a idéia da mãe de que isso era coisa de homem. Aos 15, tão linda, ela se arranjou um namoradinho. Ele dava tudo que Ela precisava: bombom, estalinhos na boca e flores coloridas. Mas a mãe achou que ela podia dar demais em troca e os separou. Ela sofreu, coitada. Achou que ia morrer de tristeza, mas se acostumou a ficar sem ele... afinal, é tudo questão de costume, minha filha. Ela se acostumava com tudo. Dor, agonia, chateação. O problema mesmo era o tédio. Quando ficava entediada a menina não se acostumava. Tinha vontade de gritar, Ela se sentia presa e chorava, chorava, chorava. Um dia a mãe disse que batom vermelho era coisa de vadia. Mas Ela não entendeu por que é que a mãe tinha aquele batom vermelho na gaveta. Num dia desses de tédio, passou o batom. E ela se encheu toda de alegria. Sentiu que era mais bonita, e que era fácil se acostumar com aquele batom. Mas a mãe viu, bateu na menina, deixou ela toda marcada, com gosto de batom e lágrima. No fim, ela se acostumou com a boca sem cor. Um dia a mãe foi jantar e deixou Ela sozinha
Carros, um a um, paravam. Mas ela negava, com a satisfação que não entendia de onde vinha. Até que começou a ficar tediosa toda aquela negação e ela resolveu aceitar. Um senhor de idade...tanto lembrava seu tio-avô. E ele enchia Ela de dinheiro. E Ela ficava quieta. Sentava direito e não falava com a boca cheia, igualzinho a mãe ensinou. O velho era meio louco, mas era mais velho que ela, então ela obedecia, até quando não podia mais. Depois de ter feito tudo como haviam sempre lhe ensinado, saiu pela rua. Sentia-se tão bem que queria tocar violão. Deitou na calçada e disse que não voltaria mais. Talvez sofressem com sua falta um dia. Mas no fim, é mesmo tudo uma questão de costume.