Te vejo aqui, na minha frente. Eu posso te tocar e é como se você escapasse infinitamente. Quem é você, agora, para mim? Eu não te reconheço mais e não é por culpa tua. Fecho os olhos e toco o teu rosto e sua expressão de nojo enfia uma faca na minha cervical. Eu não posso continuar andando assim. Eu perdi, enfim, os movimentos. Não sinto minhas pernas, não sinto os meus braços. Só os meus olhos se movem e eu não sinto absolutamente nada. A dor passou. Eu não sinto nada além da tua presença. Como se você me lembrasse todos os minutos do meu dia que eu sou isso: olhos que se movem e que não podem fazer nada. Nem se levantar, menos ainda seguir em frente. E, por favor, não me olha assim. Esses teus olhos tem um formato que me convenceram por muitos dias que era paixão. Talvez um dia tenha sido. Hoje, no entanto, vendo assim de tão perto esses teus olhos é como se você dissesse o quanto sente pena de mim. Da minha triste e equivocada existência e da falsa força com que carrego tudo que às vezes desaba sobre os meus ombros. Meus ombros, agora, não carregarão mais nada além de alguns olhares de condolência.
Você, que é infinitamente bom, gentil e altruísta, vai me socorrer. Você vai tentar me colocar de novo de pé. Mas eu não tenho as pernas mais, lembra? Eu não tenho os braços. Perdida a cervical, eu não sou mais nada. Eu nem posso mais correr em busca de qualquer coisa que me console da pessoa que eu me tornei. Talvez esse seja o meu castigo eterno: sentir a dor do mundo dentro de mim e seguir anestesiada, imóvel. Eu correria até você agora e diria o quanto eu ainda te amo, o quanto eu ainda te quero. Mas eu não posso correr, eu não posso sequer te abraçar. Eu vou seguir parada aqui, esperando você voltar. Sigo, a partir de agora, sem falar nada enquanto os meus olhos procurarão em volta a única coisa que ainda me mantém viva: a tua presença.